Coexistência

Talvez, no fim das contas a ruína seja minha única solução. Única saída, por assim dizer. Não consigo acreditar que ainda exista alguma fuga, escapatória disso tudo que eu criei e voluntariamente, deixei transbordar de mim. Me afoguei nos meus próprios oceanos de fúria, desejos, perdas que pareciam infinitas.

Achava que me faria algum bem, de verdade. Não abria os olhos em momento algum e apenas sentia o gosto de toda aquela bela superficialidade que ostentava para mim mesma. Para o meu orgulho, vaidade, para a estúpida necessidade de provar algo que já nem lembro mais o que era. Cai nisso, nessa armadilha que é acreditar na imortalidade das nossas vontades, do menor sinal de vida, de gente que existe, vê e quer, gente que sonha, e gente que tenta.

Nada disso é real. É tudo tão efêmero que chega a soar como um trocadilho infame com a nossa inocência. São apenas desculpas. Pretextos para irmos em frente e agir, falar, existir. Não somos fortes o suficiente para aguentar o peso total da consciência. Precisamos mentir, inventar, fingir tão que queremos até o ponto em que enganamos a nós mesmos. E não acho que há algo errado com isso, é a natureza humana. De projetar o impossível para, de tempo em tempo perder-se por lá e respirar um ar mais leve para continuar. A escolha de chegarmos ao fim é nossa e de mais ninguém. De nos entregarmos de corpo e alma para essa fantasia e a deixar nos corroer até que não reste mais nada. E eu estou aqui por mim, pelo que decidi enxergar e fazer de mim mesma. Não sou nem jamais serei suficiente para a vida. Não tenho a força, não tenho a fé; não consigo ver nada além do cenário pronto, bonito que criei e tão bem conheço, sei caminhar e bailar sem obstáculo algum. Não adianta mais eu tentar correr, me debater contra a maré-- a ilusão já me fisgou e adentrou-me há muito tempo.

Eu sou isso; o fim, o desastre, o caos do conflito entre a realidade que sempre me pega e tenta me arrastar e o sabor, o prazer mentiroso, cínico do meu mundo surreal. Sou feita desse choque constante, das pequenas fagulhas que surgem deles e me revivem dia após dia, sempre lembrando-me que devo andar na ponta dos pés. Nesse meio que eu respiro, que eu me entrego: chega dessa luta. Não há salvação, eu já amarrei firmemente essa venda em meus olhos e agora só me resta isso, dar meus passos no escuro. Eu apenas desisto de tentar espiar por aqui.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 14/07/2014
Reeditado em 14/07/2014
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