Desistência

Daqui não se consegue ver muita coisa. É tudo difuso, apagado, uma sequência quase que infinita de vultos em tons da mesma cor, ainda que não dê para distingui-la por enquanto.

Desisti de ver além, sim. Chega de forçar a vista ao ponto que nem sabe-se mais o que é real ou não, onde tudo que se enxerga é um rastro daquilo que queremos acreditar. Esse horizonte cinza não me machuca de maneira alguma, muito pelo contrário: conforta com sua verdade e não me deixa cair do mesmo abismo mais uma vez. Dói, é claro, dói o choque de ter de esquecer tudo que achávamos ter mais adiante, as cores, as formas, os reflexos fantasiosos. Confiamos demais nisso tudo, demos a essa certeza tudo que tínhamos e cegamente, demos nossos passos sem saber em que solo de fato estávamos caminhando. Era um solo de mentiras, de farsas bem elaboradas que aguentavam o nosso peso e nos fazia caminhar cada vez mais rápido, mais certos de que não haveria queda no final. Mas teve, e agora estamos todos aqui, com esse ar frio rasgando os pulmões e, ainda inutilmente suspirando fundo para aguentar por nem que só mais um segundo.

Uns reconhecem a queda e a aceitam, querem logo seu chão para traçar um caminho definitivo de uma vez, e já outros não-- outros mal sabem do precipício de que caíram, ainda creem estar em seu voo majestoso em que nada lhes alcança. E por mais que eu queira acreditar nisso tudo, minha consciência é insistente demais para me dar esse prazer. Comigo não há muito a ser feito além de admirar a alegria da ignorância, de realmente sentir-se invencível. Eu sei onde estou e o que sou, e é isso que jamais me deixará respirar no sonho novamente.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 15/07/2014
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