Embriagez

Todos dizem que a embriaguez existe para nos fazer deixar de lado tudo de ruim que sentimos, pensamos enquanto sóbrios. Mas sabe, isso não é verdade. Parece que até que nos dá clareza, por mais ridículo que isso soe. Nos faz o mais consciente possível de tudo. Tudo com que sonhamos, fantasiamos e nos vemos noutro mundo. Mundo distante daqui, esse. Impossível, inalcançável; daqui nada lá habita, respira, é reconhecido como gente, como vida.

Tudo daqui é desprezível. As beldades que inventamos para conviver com nosso reflexo, com o eco da nossa voz, a acidez da verdade e o quão áspero é o nosso verdadeiro toque. Mas nós aceitamos, dizemos para nós mesmos que está tudo bem, que ao aceitarmo-nos como simples, ordinários humanos, toda a raiva e sujeira fazem parte de nós. Então pergunto-me: porque quando ninguém olhas, fugimos para outro lugar? Se nós, tão idealistas como somos, vamos para outra dimensão particular quando podemos, ora, então todo esse nosso otimismo não vale de nada. Somos nada aqui, fim de história. Somos o vestígio do sonho mais louco, das vontades impossíveis, dos desejos que por puro pudor, deixamos de pronunciar. Somos todos mentirosos, isso sim. Fingimos acreditar na pureza e na beleza desse plano falho em que estamos e carregamos essa projeção em todo passo que damos, mas estamos sempre, a todo segundo querendo sair daqui.

Querendo fugir, correr, gritar e sentir tudo que já passou por nós. Pois então, chega! Chega dessas farsas, das máscaras de felicidades e sobriedade orgulhosa que usamos para todo lado e confessemos de uma vez-- o insano que nos mostra a verdade, e aqui estamos apenas nos sujando cada vez mais. Queremos o perdido, o esquecido pelos bem-sucedidos e enquanto assinarmos sua carta de felicitação, jamais o teremos. Rasgue-a, queime e inspire a fumaça que subir. Da ruína vem o paraíso de cada um, e esse tu jamais poderá encobrir por nada nem por ninguém, inclusive tua própria e pobre vaidade.