Escolha

Eu quis isso, eu e mais ninguém. Escolhi este quarto, as cores da parede, a tinta das barras da jaula que finjo não notar. Sentia-me confortável, segura. Nada me encontraria, nada nem ninguém. Nenhum olhar me dilacerando de pouco em pouco, nenhuma palavra largada à toa vindo em minha direção feito para perdida pronta para me atingir. E pela maior parte do tempo, foi assim: nada me via ou tocava, e isso parecia me satisfazer.

Mas de vez em nunca, ouço sussurros que não sei de onde vem, o que querem ou porque estão aqui, mas fazem-me querer espiar um pouco, nem que de pura curiosidade. O que será que tem lá fora? Será que pode existir além de dores, de perdas e apunhaladas, algo diferente, bom? Algo que pudesse finalmente dar-me um sorriso sincero, quem sabe. Ver algo além das pinturas daqui que há tanto enjoei, das vozes falsas de sempre, do meu próprio reflexo sem vida. Ah, é esse sonho difuso que me mata, me rasga todos os dias que conto na gaiola. É o pensar, querer, a maldita esperança que teima em permanecer viva em mim, mesmo depois de tudo que fiz para me livrar dela. Parece que não há nada que a mate! Não é feita de pedra, de aço como tento acreditar, não. Parece que é feita de ar, de suspiros, de palavras, de risos e milésimos de espontaneidade que deixei escapar de mim mesma. Ela é feita de sonhos, das projeções que existem em nós até mesmo antes de nossa consciência. Essa não, ela forma-se com a descrença, com a raiva, com toda a síntese do medo que pode-se acumular numa vida, por menor que ela seja. Ela pode ter o tamanho, a extensão que quiser, o medo a corrói e faz padecer pouco por pouco até tornar-se o juiz final de nosso curso, nossa alma.

E essa alma é sensível, é livre e abstrata. Nunca a tocaremos, daremos o sopro de vida que precisa, prenderemos em nossas ideias. Ela alimenta-se da menor das ações, dos passos e toques que ganha o tempo todo. Machuca-se. Machuca-se e desiste, larga da verdade que tentamos cultivar e vai embora, dissolve-se na raiva e amargura que toma o lugar de qualquer humanidade em nós. Deixamos de ser humanos e tornamo-nos meios, vias e caminhos para o que tomou o lugar da única fundamentalidade duma pessoa: o menor sinal de amor. Esse amor vai feito poeira e aqui ficamos, nos justificando a cada minuto pelo rastro de sujeira que criamos e só fingimos, mentimos dizendo que ainda valerá a pena.

Não vale, nunca valerá. Sabemos disso e ainda assim, continuamos na mesma rota, mesma fila de etiqueta para um fim que nem mais lembramos qual é. E aqui estou, olhando para os dois caminhos e tentando com todas as forças que consigo encontrar, sair da jaula e escolher um para mim. Tentando decidir, descobrir se tenho forças para o rumo que vejo a minha frente ou não-- se tenho não a força, mas sim o coração suficiente para escolher o dos loucos, das cores e quedas. Se posso, afinal de contas, escolher a vida em todo seu significado e fazer parte dela da maneira que eu puder aguentar.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 22/07/2014
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