Amantes

Até hoje eu não sei o que foi feito deles. Foi tudo tão estranho, como aqueles sonhos que vem sem ninguém pedir, encantam todo mundo e vão embora assim também, sem avisar qualquer pessoa. Eles tinham de tudo, sabe? Pareciam indestrutíveis, inalcançáveis a simplesmente acima de toda a bagunça daqui debaixo, de quem só observava. Tinham de tudo pra dar certo. Se bem que, pensando direito, todo mundo tem; ainda assim, quantos desses amores que vingam para uma vida? É sempre um caminho mais desordenado e traiçoeiro do que o outro.

Gostava de vê-los juntos. Mesmo sem saber, gostava sim. Olhando daqui, parecia tão certo. Se completavam nas minimalidades de cada um, deixavam de ser duas pessoas num sentimento: tornavam-se uma só com infinitas emoções correndo por lá. É quase trágico pensar nisso agora, para onde tudo foi, que diabos realmente aconteceu. Eram o sonho perdido que todo mundo adorava assistir-- e talvez tenha sido isso, vai saber. Eram tão perfeitos de se ver e exibir que na verdade, não sobrava muita coisa na intimidade que os restou. Esgotou, isso sim. Era tudo novo, puro, possível. Quem daqui jamais imaginaria que a vida viria, a casualidade, o erro banal e ordinário iria derrubá-los daquele pedestal de ilusão tangível? Eu não, posso garantir. Os invejava e abraçava ao mesmo tempo. Era segurança, certeza de que sim, ainda havia jeito para tudo isso. Se do mesmo local, do mesmo ar que eu sempre respirei saíram tamanhas belezas, fantasia nada distante de mim, ora essa, meu sonho havia de tornar-se real. Só não era minha vez, como eu dizia para mim mesma de consolo hora cá e hora lá.

Mas não era bem isso, depois percebi. São escolhas, são épocas, estações do tempo e estações da alma que definem cada coisa. Não consigo conter-me no sonho, na vontade e na esperança, de lá tiro ar e fôlego pro próximo passo e próxima paixão; já aquelas almas, não. Elas eram do instante, possuíam o momento e entregavam-se, criavam histórias pros olhos curiosos contarem depois. E realmente, acho que isso é tudo que sei e posso fazer, contar. Contar com saudade e melancolia, como quem já nem vê mais o que acontece ao seu redor. Imagino se um dia terei história pra lembrar e passar adiante... Sei que não. Só sirvo, só posso assistir as tragédias alheias e vivê-las como se fossem minhas, e essa foi a maior e mais sentida por mim; nasceu e morreu diante dos meus olhos, fazendo-me crer e desistir de qualquer mísero sinal desse amor que já estou tão cansada de assistir. Eu o quero e desprezo, tenho orgulho e vontade. Maldita dualidade que me prende e só me faz pensar no que eles poderiam ter sido, na projeção segura de liberdade bem perto de mim, me tentando e mantendo na jaula sem perigo nenhum.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 23/07/2014
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