Paixão às Sete da Manhã

De meu assento, pelo reflexo, encarei perplexo as demais pessoas que adentraram o vagão na última parada. Há pessoas de todos as raças e idades, formas e tamanhos, e todas se observam mutuamente.

O trem para novamente, e mais e mais gente se junta a composição, já bastante cheia. Há uma linda garota, de cabelos longos, lisos e acastanhados, olhos castanhos ordinariamente escuros, branca, de aproximadamente um metro e sessenta de altura, corpo esguio, o quadril é levemente sinuoso e o busto, mediano. Está mexendo em seu celular, distraída ou apenas se distraindo (ou me distraindo). Ela olha seus arredores, concentra-se no aparelho e vez ou outra deixa escapar um tímido sorriso. O telefone toca e ela rapidamente atende, sua voz é suave e sussurrante.

Deus! Eu poderia me apaixonar por essa mulher.

Duas estações depois, ela desembarca do trem. Que desperdício. Era uma visão maravilhosa no meio de tantos rostos vazios, nulos, quase desformes.

Algumas estações depois, desembarco para baldear entre o trem e o metrô. Na estação, percebo que a minha frente, uma ruiva (não natural), de não mais que um metro e cinquenta, anda apressada. Está usando uma calça preta, apertada, e uma camiseta branca, folgada, com alguns botões soltos, estampada com flores em relevo. Tem seios fartos, e uma bunda firme. Parece ter vinte e dois, vinte e três anos. Usa óculos. Por um momento, pensei ser alguém que conhecia, mas não, é só mais uma estranha que seguiu seu caminho para uma das tantas outras plataformas pelas quais não passarei...

Já no metrô, observo pelo reflexo da janela uma mulata, de cabelos médios, negros e encaracolados, magra, mas com pernas volumosas e rijas, rosto delicado de menina com lábios carnudos de mulher. Ela nem me nota, está absorta em sua leitura, um livro pesado, de páginas amareladas, letras pequenas, não consigo ver o título. Também usa óculos e não esboça qualquer reação diante das mudanças que ocorrem ao seu redor constantemente a cada novo embarque e desembarque. Parece ser uma pessoa interessante, mas de difícil aproximação.

Não que eu planeje tomar qualquer atitude, só não consigo deixar de observar algo tão bonito.

O operador anuncia a próxima estação e interrompe sua leitura. Ela gentilmente marca a página em que estava e guarda o livro. Levanta-se e ruma para a porta entre os tantos outros que já estavam em pé. Desembarca.

Mais alguns minutos e o metrô já alcança a minha estação de destino. Confiro meus pertences, minha mochila e já postado na saída, olho os meus arredores uma última vez. Percebo algo interessante, ao longo deste último trecho da viagem também fui observado por alguém, de não mais que quinze anos e quase sem nenhuma maquiagem. Corpo desenvolto e feições memoráveis. No auge, nunca mais será tão bonita quanto é agora. Jamais saberei o que pensou de mim.

Pulo pra fora e sigo andando até as escadas mais próximas, desço-as e me desloco seletivo pelos tuneis até a saída que me levará mais rapidamente ao meu objetivo. Sou a prova viva de que a paixão existe às sete da manhã pelos trens e metrôs da metrópole...

Vinícius Risério Custódio
Enviado por Vinícius Risério Custódio em 31/07/2014
Reeditado em 30/04/2016
Código do texto: T4903564
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