Separação

Eles se viam de vez em quando nuns cumprimentos polidos no corredor, cruzando pelas mesas, às vezes caminhavam juntos até o ponto de ônibus só. Os dois se adoravam, mas nunca tinham coragem de dizer. O sorriso solto dele a encantava, e as mechas dela jogadas no rosto quase o chamavam para perto.

Sentiam-se como se pertencessem lá, um ao lado do outro. Não se conheciam de verdade. Ele vivia esquecendo qual o tom da voz dela; ela queria de qualquer jeito guardar o aroma da jaqueta que sentia quando ele passava, mas era inútil. Eram o tipo mais inusitado de amantes que pode existir: os ignorantes. Um queria o outro de longe sem razão e pretensão nenhuma, e não sabiam o que fazer com isso. O que pensar, sentir, encorajar até.

Eles tinham tanto em comum. A mesma música da época de criança, mesma cor favorita e jeitos de passar o fim de semana. Mas nunca aconteceu. Medo, vaidade, pequenos preconceitos que deixavam tomar conta. Ela o via rindo com toda aquela gente e não se enxergava lá. Ele a via no canto sem dizer uma palavra e queria estar junto. Mas ambos não sabiam como. O medo do que poderia impedi-los de fazer e dizer a coisa certa acabou matando o sonho em si. Matando a possibilidade, a vontade, a curiosidade pela beleza daquele rosto desconhecido que parecia ter tanto a oferecer. E os dias, as semanas e os meses passaram. Tudo se encaixou como deveria. Seguiram fazendo o que lhes parecia possível, saboreando o previsível e nunca admitindo um só vestígio de arrependimento por nada. Por nenhuma das vidas que deixaram passar, nenhum dos suspiros que sufocaram um pelo outro nem por mais ninguém.

E se aquilo poderia tornar-se qualquer mínima forma de amor, escolheriam mil vezes não pensar nisso. Não lembrar e confessar que não, eles não cumpriram o que há tanto prometeram. Que os amores vão embora o tempo todo, por nada além de sua escolha e consciência do que poderiam ser se tivessem a coragem que lhes faltava. Se tivessem a vivacidade para apenas dar o passo noutra direção e ver o que lá poderia existir. Outra dimensão até, onde quem sabe não estariam mais sozinhos apenas imaginando qual a verdade que o outro guarda dentro de si.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 02/08/2014
Reeditado em 02/08/2014
Código do texto: T4906378
Classificação de conteúdo: seguro