Fim

Eu não quero, não preciso de mais nada. Nada além disso, dessa imagem que consigo fazer dos vultos à minha frente, das figuras turvas e disformes, das cores que eu não consigo lembrar o nome. Essa composição de abstratismo, de bizarrismo até para eu mesma, aí está tudo que eu jamais possa precisar. O fôlego, o ar; o sangue correndo por mim, os músculos que ainda vibram na dor e o aperto na garganta para segurar as palavras ansiosas demais. Essa vida, esse sinal: não me dê mais nada. Apenas continue aqui, junto de mim. Aqui, me alimentando, dando-me razão, desejo, crença de que sim, ainda há muito o que existir e florescer dentro de mim. Quero todos os amigos, todos os amores; todas as cores, todas as dores. Tudo que possa caber em mim e fazer-me tornar alguém, um meio, uma via que possa realmente carregar suas emoções. Viver com a vontade, a raiva, a angústia, isso não me trará absolutamente nada. Escolho infinitas vezes morrer assim, de fome. Fome de gente, de mim e tudo que possa querer aqui. E se esse for o meu final, terei nada além da mais pura gratidão-- se morri, estive viva. Estive aqui, amei-os e tentei como soube, como pude. E simplesmente me recuso a acreditar que esse amor jamais atingiu nem que um só de toda essa platéia de olhos famintos ao meu redor.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 04/08/2014
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