Devoção

Tu não precisas me amar. Te juro, de verdade. Vai, vai e vive a beleza que é tua vida, tu mereces. Criatura como tu não deve ficar assim, preso, enclausurado num coração escuro feito o meu. Tu deves sair, caminhar, ver de tudo que teus olhos aguentarem, encantar esse monte de vida à tua espera, dar tudo de si e pintar o mundo, o caminho com as cores que mais gosta. Com a cor dos teus olhos que quase cegam quem vive fechado, escondido. Vai. Vai, nem que seja por mim. Por mais que o sonho, a vontade, o desejo seja insano, imensurável, ele não vale de nada. O valor está em ti. No que tu fazes de bom por aí, em quem faz sorrir, nos que ama sem esforço algum. Eu sou dessas, está tudo bem. Vejo e quero, e sonho, acredito. Mas não existe vivacidade suficiente em mim para fazer-me real em teu mundo, para colorir teu horizonte, eu sei disso. Me dói, me dilacera esse saber. Mas ele é necessário, pois não aguento, não quero e não vou mais afogar-me sozinha na imagem que fiz de ti. Só vive perto de mim então. Deixa uma fresta aberta na tua janela de vez em quando, um vão na porta que range, qualquer coisa. Me convida para entrar, olhe-me como alguém. Não me mate de dor nem de ilusão: apenas mantenha-me assim, respirando, de pé. Da angústia só eu sei e devo me preocupar, então vá e viva a beleza que é tua vida. Só deixa aquele fio, aquela migalha para eu acreditar, sobreviver da maneira que for. Eu preciso, pois toda a vida existente em mim agora devo à você. E não é sua culpa, relaxa. Você é assim, eu já conheço, já sei - praticamente te inventei, ora. Você fisga, encanta, floresce e destrói sem ao menos tentar. Eu sou tua vítima e não quero deixar de ser. Sem a tua dor, não poderia existir amor algum dentro de mim. Então vai e vive, só me deixa olhar de longe, assistir tua cena e decorar as falas, pintar o cenário. Só não posso te perder, por mais que eu saiba que nada disso jamais tornará-se real.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 06/08/2014
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