Considerações (pseudo)filosóficas sobre "escolhas", "critérios" e "valores"

O que é escolher?

As escolhas não acontecem no vazio: elas ocorrem em determinados momentos e em determinadas circunstâncias que demandam por uma escolha. Escolher é decidir entre uma série de opções aquela que nos parece a melhor ou a mais apropriada para o momento. A escolha por algo implica a exclusão das outras opções, ou seja, escolher implica deixar de lado aquilo que não é escolhido para realizar a “melhor” escolha ou a “mais apropriada para o momento”, aceitando as consequências desta decisão essencialmente exclusiva.

Qual a função dos nossos critérios em nossas escolhas?

Uma vez que fazer escolhas é decidir dentre uma série de opções qual delas nos parece a “melhor” opção - ou a “mais apropriada para o momento” -, torna-se necessário elencarmos um conjunto de regras que sirva de parâmetro para fundamentarmos racionalmente essa “melhor” opção, através de comparações e julgamentos sobre as opções que se encontram disponíveis para nós. Denominamos de critérios as categorias ou conjunto de regras que servem de base para fazermos comparações e julgamentos com a finalidade de fundamentarmos as nossas escolhas na busca pela “melhor” opção ou a “mais apropriada para o momento”.

É possível agirmos sem critérios?

Não. Uma vez que para agir de determinado modo é necessário escolher agir deste e não de outro modo, nossos critérios estão sempre presentes no modo como agimos, embora seja plenamente possível agirmos sem refletirmos sobre quais critérios foram utilizados nas nossas escolhas e com isso pensarmos que nossas escolhas tenham sido ações “sem critérios” pelo fato de não termos refletido racionalmente sobre os fundamentos que motivaram estas determinadas ações.

É possível escolher sem critérios?

Não. Mas é possível escolher “escolher sem critérios”. Uma escolha por uma ação totalmente irracional, por exemplo, é escolher “escolher sem critérios”. Contudo, mesmo a escolha por uma “ação totalmente irracional” se baseou em algum tipo de critério, que, neste caso, foi de “escolher sem critérios”; portanto, escolher “escolher sem critérios” é tornar a ausência de critérios em um critério de escolha.

Os nossos critérios são construídos ou nascemos com eles?

Depende do que entendermos por “critérios”. Os nossos “critérios”, no sentido proposto nos parágrafos anteriores, são construídos ao longo da nossa vida, pois nós nascemos com algumas necessidades que demandam por ações relativas à sobrevivência, mas embora essas ações envolvam algum tipo muito rudimentar de seletividade, ou seja, de escolha, num primeiro momento não podemos dizer que estas ações já são escolhas que envolvam critérios, pois neste estágio inicial de desenvolvimento da vida ainda não é possível fazer comparações entre experiências anteriores ou valores do próprio sujeito e de seus semelhantes, que formariam a essência do que denominamos de “critérios”. Neste caso, as ações originais do ser humano, demandadas por necessidades primárias no estágio inicial do desenvolvimento da vida, servirão como experiências prévias a serem utilizadas posteriormente como referência ou critério de comparação para que o ser humano possa escolher entre isso ou aquilo; mas essas ações originais ainda não envolvem critérios para a escolha, ao menos não no sentido proposto por nós nos parágrafos anteriores, pois logo após o nascimento não há experiências ou valores a priori que sirvam de parâmetro para a realização de comparações e julgamentos, que são a essência do que denominamos de critérios para a realização de escolhas.

Como se formam os critérios?

Os critérios são formados a partir dos valores atribuídos pelos homens aos fenômenos humanos. Esses valores podem ser atribuídos para coisas abstratas ou objetivas, de modo racional ou afetivo. As experiências prévias de uma pessoa possibilitam-na a preferir por isso ou aquilo, a preterir essa ou aquela coisa; ou seja, as experiências prévias de uma pessoa facultam-na a hierarquizar preferências de acordo com as suas conveniências, atribuindo valores pessoais neste processo de hierarquização de preferências. Mas numa vida em sociedade, seja em grupos sociais pequenos ou em grupos sociais grandes, não é pertinente que uma pessoa faça escolhas somente utilizando critérios que sejam unicamente convenientes a ela, porque quando ela faz parte de um grupo social ela assume algum tipo de papel social e passa a ter responsabilidades compartilhadas com esse grupo, que por sua vez avalia constantemente as suas ações individuais como convenientes ou não para a manutenção do grupo, pois, caso contrário, dependendo das ações individuais de um membro desse grupo, o grupo poderia se modificar e gerar conflitos entre seus membros, ou então se desfazer e assim não haveria mais grupo a ser preservado. Isso quer dizer que quando fazemos parte de um grupo, seja ele grande ou pequeno, existem expectativas de condutas que são compartilhadas entre os membros do grupo, e, se existem expectativas, existem preferências sobre as escolhas que serão mais ou menos convenientes para o grupo; ou seja, se existem expectativas de condutas entre os membros de um grupo, existe uma hierarquização de preferências de condutas que almeja o equilíbrio entre as conveniências individuais e a manutenção do grupo, havendo, portanto, a valorização de determinadas escolhas como mais ou menos convenientes para o equilíbrio e a manutenção do grupo. Esses valores compartilhados e apreendidos entre os indivíduos de um grupo formarão categorias ou conjunto de regras que servirão de base para que os membros façam comparações e julgamentos com a finalidade de fundamentar as suas escolhas dentro das expectativas do grupo. A síntese que fazemos entre os valores pessoais que construímos ao longo da nossa vida e os valores e expectativas que são compartilhados entre os membros do nosso grupo são a matéria-prima na qual fundamentaremos os nossos critérios de escolha.

Como são transmitidos os valores e as expectativas das pessoas, dos grupos sociais e das instituições na qual fazemos parte?

Através de discursos explícitos e implícitos as pessoas e os grupos transmitem os seus valores e as suas expectativas. Tanto os discursos verbais quanto as atitudes das pessoas podem sinalizar sobre os valores e as expectativas que estão sendo transmitidos de modo mais ou menos explícito. Os valores e as expectativas de um grupo como a família, por exemplo, podem ser representados culturalmente através dos símbolos, mitos, heróis e rituais que foram compartilhados entre os membros desse grupo ao longo da sua história. A ideologia de um grupo, aqui considerada como o conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo, também transmite valores e expectativas entre os membros desse grupo, visando práticas sociais e políticas que ajudem a manter ou fortaleçam ainda mais a estrutura desse grupo.