A música e seus sabores

Faz tempo que percebi e só agora constatei de fato e resolvi escrever: as músicas são como gostos e sabores na mente da gente. Muitos já devem ter pensado sobre isso e até escrito, como diz a música “Defeito Perfeito” da Nação Zumbi: “Não pense que você é o primeiro a pensar desse jeito, alguém já deve ter pensado igual em algum outro lugar...”. Nem vou procurar sobre isso na internet porque sei que vou achar e vou desanimar...

Decidi falar sobre isso quando estava ouvindo “Você não entende nada” de Caetano Veloso. Tava meio dormitando e senti um gosto de picolé de tutti-frutti, daqueles de cor azul, sabe? (Tem também a onda da música formar cores em sua cabeça... fica pra outra hora). Pois bem, deixei a TV ligada num canal de música e fui acordado por essa canção, era aquela versão ao vivo de Caetano com Chico Buarque que mistura essa música com “Cotidiano” de Chico. E foi uma sensação muito louca, porque quando começou essa última eu senti um gosto de farofa de andu com ovo frito e a mistura de sabores foi muito brusca. Deve ser por isso que gosto tanta da versão.

Pra mim, “You shook me” do Led Zeppelin tem gosto de rum com refrigerante e a maioria dessas músicas de pagode e funk ostentação tem gosto de vodca com ki-suco de 10 centavos, apesar de só falarem de Whisky em suas letras. Curto ambos, só pra constar. Já as canções dos Engenheiros do Havaí tem gosto de abóbora com leite, não sou afeito nem aos engenheiros nem à abóbora. Ouvir Legião Urbana me lembra o sabor de doce de batata doce com coco. É bom, mas enjoa rapidinho. E a maioria das canções de Luiz Gonzaga tem gosto de milho assado, ou milho cozido ou pamonha ou cuscuz ou mingau de milho, acompanhados de café bem forte. As canções do álbum “Exile on main street” dos Rolling Stones, tem gosto de carne de sol com aipim. Quer dizer, quase tudo dos Stones tem esse sabor. Já as músicas do The Beatles têm também o gosto de carne de sol, porém sem o acompanhamento do aipim.

Esse negócio é sério, agora mesmo estou escrevendo essa história e sentindo um gosto de sorvete (estou ouvindo Caetano Veloso, de novo - não é mera coincidência). Geralmente as músicas de Caê tem esse sabor de comidas e bebidas geladas, sorvetes, cervejas, água, sucos, até de pizza gelada já senti o gosto. Principalmente suas letras nas versões de Gal ou Bethânia. Gela o corpo todo e dá aquele arrepio brabo. Gilberto Gil e Chico Buarque são as quentes: café, chocolate quente, comida chinesa saindo do fogo, caldos, cebola frita, carne assada da hora, essas coisas boas. “Geni e o Zeppelin” tem gosto de costela de porco com purê de batata e vinagrete, é um dos pratos que mais demoro comendo, para saborear bem direitinho. E “Extra”, de Gil, tem gosto de peixe frito, porque sempre fico pedindo mais e mais. E todo o arsenal musical citado neste parágrafo, junto com Luiz Melodia, Jards Macalé e Sérgio Sampaio têm o sabor em comum, em algumas de suas músicas, de conhaque,

As canções de Nação Zumbi, citado como referência lá em cima, com ou sem Chico Science, me remetem ao sabor de cachorro quente, pizza, panqueca, sarapatel, vaca atolada, buchada e galinha caipira. Deve ser por conta dessa mistura do regional com o estrangeiro que eles fazem, mas que é sempre bom de devorar tudo. Enfim, pode ser apenas coisa de gordo, mas toda música tem um gosto.