Sobriedade

Do que somos feitos, todos nós? Ah, desgraça de pergunta. Poderia dizer que somos todos composições, somos costuras de pequenas partes, de belezas e feiuras, verdades e mentiras que todo mundo tem. Mas desculpe-me, cansei dessa demagogia poética toda.

Quero só a verdade. Eu sou isso, sou o segundo que faz-me escrever e respirar, sou o infinito redemoinho de pensamentos que invadem-me a cada instante e deixam nada consigo. Sou o vazio da eternidade pronto para preencher-se com seja lá o que encontrar em seu caminho improvisado. Sou o que sinto por você e nada mais; independente de quem tu fores, entende? Pouco me importa. Mendigo, velho, amigo, amante: nada disso me afeta. Quero-lhe.

Seja qual for tua face, voz ou toque, quero pertencer-te e possuir-te de todas as maneiras possíveis nessa nossa gaiola. Quero ditar-lhe os passos e entregar-lhe submissão de quem sente e espera, acredita na beleza inalcançável dos sonhos imbecis que cultivamos. Quero perder-me nisso tudo. O abraço dum estranho, a raiva dum amor, o sangue fervente por aquela pela que acabamos de tocar. Dê-me isto e nada mais me faltará: serei gente, humana, pedaço de carne, de vida, de alma; ah, mas que insano isso seria. Eu largar isso, esse medo e ilusão pra ser nada além da síntese daquilo com que tanto sonhei: normalidade e nada mais.

Venha, venha e apenas me toque, fale no pé do ouvido, lembre-me de alguma mínima humanidade presente em mim. Não precisarei de mais nada se tiver tua voz e respiração aqui, ao meu lado fazendo-me existir. Existir para ti, para qualquer um que cruze meu caminho e por alguma razão, resolva ficar, nem que só um pouco.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 16/08/2014
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