Pôr do Sol

Das coisas que eu amo: fins de tarde. Difícil de imaginar paz maior do que essa, de verdade. Nada importa. Nada está aqui, machucando-me ou fazendo-me lembrar das aflições, dos tropeços, da vida por si só. A vida lá fora, a um passo ou dois além dessa porta, além da luz dourada que entra pela janela agora. A música, as palavras vazias que deixo escapar, o gosto do café requentado que me mantém desperta para nada além desse momento: é disso que eu preciso. Dos menores segundos sem o medo, sem o tempo e os semblantes cheios de cicatrizes tomando conta de meus olhos. Sem você.

Sem ser refém dum pensamento, do que tenta ser uma emoção, das pseudo-ações e dos impulsos controlados, sem os instantes contados e corridos que sugam-nos dia após dia. Quero isso, bem assim; essa calmaria, a despreocupação sobre onde meus pés estão pisando, que caminho, para aonde essa estrada irá me levar. Para o inferno com isso-- ela não existe. Ela só passa a existir no momento em que meu suspiro é fundo o suficiente para dar-me a coragem de pisar fora daqui.

O caminho é feito em passos minúsculos, incontáveis, infinitos por ninguém além de eu mesma; eu e o tímido desejo que de vez em quando permito se manifestar. E está tudo bem. Eu não quero correr, não preciso; estou bem aonde queria, deveria estar, ouso dizer, até mesmo pertenço. Ao menos para esse segundo, digo com toda a certeza que posso estufar em meu peito: não preciso sonhar. Seja qual for a loucura que o sonho traz consigo, já não preciso mais dela.

Tudo que ela possivelmente me traria já está aqui, bem diante de mim. Me cercando, abraçando e carregando nos ombros quando já canso de caminhar. Não estou atrás de aventuras, perdições ou coisa parecida. Apenas deixe-me sentir esse ar da maneira mais pura possível e estarei pronta para a queda. Enquanto caminho para o abismo, farei nada além de apreciar a vista; e posso te dizer que sim, ela é linda, lindíssima.