Amnésia

De repente, o tempo parou de correr por mim. Ou talvez eu apenas tenha deixado de percebê-lo, vai saber. Deixado de contá-lo, calculá-lo e tentar o controlar, segurar em minhas mãos. Não há passado, não há prazer do instante ou aflição pelo que não chegou: está tudo bem aqui. Aqui, ao meu lado, diante de mim, cercando-me e impulsionando-me pro próximo passo, seja lá para onde ele for.

O toque de ontem voltou e ainda dá-me os mesmos arrepios na pele, as mesmas palavras fogem da minha boca, os mesmos amores e vontades, medos, perguntas sem fundamento algum; e o amanhã, ele simplesmente não irá chegar. Não há o que esperar, projetar afogada no travesseiro, sonhar nem nada parecido. Ele é esse segundo em que respiro, em meus pés tocam o chão, em que permito-se ser do agora e nada mais.

Não há necessidade daquela velha melancolia toda, utopia e idealização sem uso algum-- seguro o instante entre meus dedos. Deixo-escapar, brinco entre as linhas de minhas mãos, seguro-lhe e deixo voar ao meu lado, junto de mim. Dito as palavras, os tons, as sílabas tônicas para garantir que todos irão me escutar; eu sou isso, o que faço do agora e nada mais. O que o sabor esquecido do ontem desenhou em mim, as cicatrizes que ainda serão feitas e jamais deixarão de sangrar.

As dores, os desejos, os amores, tudo isso está aqui, contido em mim, fluindo e carregando-me, riscando um rumo torto pelo pelo tempo e fazendo-me pairar pela sua infinitude. E eu jamais poderia querer algo além disso. Desse horizonte que quase alcanço, consigo colorir daqui e levar comigo o que couber em meus ombros. A dor irá passar e irá voltar incontáveis vezes: e não há nada que possa fazer-me sentir gratidão maior nesse momento, pelo momento.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 19/08/2014
Reeditado em 19/08/2014
Código do texto: T4929086
Classificação de conteúdo: seguro