Vergonha

As razões, a verdade está bem aqui, eu admito. Bem diante de meus olhos, gritando meu nome, suplicando para eu deixar de medo, de prender-me nisso tudo e apenas aceitá-la de uma vez. E se houve alguma hora para fazê-lo, é esta. Nada irá me conter nesse jaula por nem mais um segundo, nada; nem mesmo você.

Você, com teu semblante límpido, puro, tão bonito que acho difícil de acreditar que és real. Para o inferno com isso tudo. Tua face, por mais que me embriague, não irás mais manter-me nessa mentira, essa pseudo-vontade de viver, de ser e existir da maneira mais humana possível. Eu sou o que o momento me dá, proporciona, permite. Chega, apenas chega dessa crença estúpida de que tenho controle disso tudo, de mim, de tuas palavras nos próximos segundos, do que tu pensas e queres de mim.

Estou aqui, simples. Estou viva, respiro e caminho, toco quem me permite, deixo-lhes decidirem se minha pele lhes satisfaz ou não e isso é suficiente para uma alma sedenta feito a minha. Não estou aqui para escolher, selecionar ou julgar teus pecados-- acredite, tenho os meus e lutamos para conviver dessa maneira sofrida que lhe apresento. Sei de minha podridão, meus horrores, minhas dores e meus amores, sei de todos.

E não és tu que irá fazer-me esquecer do que há tanto carrego comigo. É isso que eu sou, é tudo que tenho. Por mais que lhe queira, deseja, humilhe, implore, de algo ainda posso garantir-me com orgulho: tua face não será a última a me encantar. Muitos ainda virão com o mesmo feitiço, a mesma mentira adocicada, mesma beleza forjada nos porões de teu ser; e eu enfrentarei todos eles. Ninguém passará por aqui, pelos meu portões de mármore, de ossos, de sangue seco e estancado à força. Gostos feito o teu, por mais insanos que sejam para fomes enlouquecidas feito a minha, jamais terão tal poder. Mas por agora posso lhe dizer, sossegue.

Apenas venha e deleite-me, faça-me acreditar nem que só por um segundo; eu quero, eu mereço, eu terei. Eu terei teu sabor de todas as maneiras possíveis e nem ao menos pecado será: será dádiva, benção, pagamento. Depois de tantos concretos arrastados nesse campo árido e hostil, tu és minha recompensa. Sentimentos? Dispenso-os. Não me são de uso algum agora, são só peso inútil pro meu corpo; quero voar, pairar sobre as cores de tua alma e sentir cada milímetro dela, usá-la como tu me permitires. Depois disso, veremos. O que sinto ou não, que morra junto com meus sonhos. Agora, só a carne que pode ditar o que virá. E eu não poderia jamais querer outra coisa, outra verdade ditatorial pra minha pele seca e louca de vontade de você e seja lá o que tu trás consigo nessa bagagem surrada em teus ombros.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 24/08/2014
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