Toque

Ah, se eu ao menos soubesse um vestígio do que se passa em tua mente. Se tivesse, por menor que fosse, uma noção de tua consciência. Do que tu queres, espera, sonha. Se pudesse, eu em minha minimalidade vergonhosa, ser dona de tua verdade. Saber de teus desejos, controlá-los, fazê-los todos possíveis, tangíveis pra alma bonita feito a tua. Mas não, cá estou, apenas desejando-lhe. Daqui, de meu batente encardido, olhando-lhe de longe e só esperando alguma verdade divina ser gritada em meus ouvidos de repente. Eu sei perfeitamente o quão estúpido isso é. Preciso deixá-lo ir, viver uma vida de calmarias, normal, que encaixe-se nas formas que foram-de dadas tempos atrás. Preciso encontrar o diabo do meu reflexo, entender-lhe e largar duma vez toda minha preciosa insanidade.

Devo renunciar à mim mesma, ao que quero e piamente acredito. Ah, que desgraça disfarçada és nosso mundo! Uma armadilha que sabes muito bem usar sua máscara de salvação, de espace absoluto do nosso caos particular. Vamos, vamos fazê-lo duma vez e esfaquear qualquer humanidade virgem em nós de uma vez por todas. Vamos logo, matemos a ingenuidade, o desejo sem maldade, a visão sem sujeira que ainda levamos escondidos conosco; és a nossa única saída, eu sei. Aceitar tal realidade, acredito eu, é o golpe final n'alma de alguém.

Precisamos ser fortes. Precisamos desviar do gume da faca que nós próprios seguramos, precisamos correr, aceitar nossa deliciosa inocência, imbecilidade até; sem ela, o que resta para nós? Nada, posso lhe dizer.

Se, por receio, limites criados ou coisa parecida, deixamos esta escapar, somos nada além de pura carcaça. E isso eu não quero para mim. Quero, mereço, devo viver! Todos devemos, ora essa. Todos, por mais que tentemos negar, temos o irrefutável dever de ao menos tentar fazer de nossa vida uma loucura. Um abismo, armadilha, queda sem fim. Não, eu me recuso a viver nesse chão seco que foi me dado; escolho mil vezes cair, por mais que decepe-me pelo caminho. Antes perder-me na doença que mantém-me viva do que padecer na mentira confortável. Então eu lhe imploro, apenas segure a minha mão.

Segure-a e venha, morra e nasça de novo comigo infinitas vezes, aprenda a sonhar e a lutar o quanto for necessário. És teu dever, por mais que tentes fugir. Aceite-o e apenas sinta a dor, o amor e o sabor do voo sem fim daqui, Garanto-lhe, meu amor, nada jamais valerá mais do que isso.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 24/08/2014
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