Piedade

Nesse momento, nada além do teu rosto ocupa minha cabeça. Todas as dores e discursos, raivas e vontades, tudo apenas esvaneceu e deu lugar ao teu semblante que me embriaga toda vez. Tua voz, teu riso, teu gosto difícil de esquecer. Eu não quero outra coisa, não sei e não posso deixar-lhe ir embora daqui; tu és tudo que tenho, conheço, me permito. Nas tuas menores ações e palavras, gestos e passos, tu tornou-se meu dia, minha luz que nunca falha em abrir-me os olhos cheios de sono e despertar-me de uma vez. Tu nem ao menos sabe do que fazes comigo, diabo. Das migalhas que deixaste no caminho, matou toda a fome e desejo meu. Fez-me saborear, acreditar que havia lugar para mim no teu mundo. E o fez por apenas existir. Não tentou me tocar, encontrar, devorar-- só deu teus passos em minha direção por mero engano e assim, dilacerou qualquer mísera parte de mim. Eu sei que tu não és daqui; sei que teu universo é de outras cores, outras formas, outros amores, sei disso tudo. Mas não adianta, a consciência já não consegue mais abafar a voz louca da sensação, das entranhas que nem conhecem o racional: a razão já não me vale mais de nada. Tornou-se objeto de escárnio, vergonha até. Todas suas colunas e muros, barreiras intransponíveis foram simplesmente dissolvidas nesse oceano em que tu me afogas todo dia. E por Deus, deixe-me afogar. Deixe-me sentir a verdade, perder o ar, encher meus pulmões de água, encharcar meus lábios com lágrimas, deixe isso tudo desabar. Só dê-me mais um segundo, uma mentira, um toque que derrube-me no chão mais uma vez aos teus pés. Aqui estou, isso sou e nada mais: tudo que posso fazer para abraçá-lo e possuí-lo, merecer tua pele junto a minha e jamais esquecer tal sensação.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 05/09/2014
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