Guia

Eu quero todos os erros que eu possa carregar. Eu preciso, entenda; todas as cicatrizes, as raivas e as vontades mal feitas que eu possa aguentar. Mereço isso, de verdade. Mereço cair, sangrar, sentir a pele ralada no asfalto seco, a garganta rasgada de tanto suplicar, implorar pela tua pele nem que só mais uma vez. Ah, quem me dera tal prazer. Sabe, aquela sensação louca que só os sonhos carregam? Eu quero isso. E em nome de tudo que acredito, que criei e me orgulhei por toda essa eternidade, terei-as. Ninguém irá colocar-se em meu caminho neste momento. Agora, nessa hora de silêncio impossível de traduzir, de ódios indefiníveis, de lembranças melancólicas misturadas com expectativas, com crenças imbecis, insanas pro amanhã, agora eu lhe prometo, esse momento me pertence. Este segundo e o próximo, a gota de suor que descer-me pelo rosto no segundo que está por vir, a próxima música que minhas cordas vocais resolverem cantar com toda sua força. Isso é a única certeza, o único chão em que consigo andar nesse momento: o dessa dívida. Dívida maldita que levo comigo todo esse tempo. Todas as orações, os passos calculados, as palavras comedidas e certeiras, nada disso valeu-me de nada até então: apenas acumulou a culpa que hoje me corrói. A culpa com a pele, com os lábios e o toque sensível da ponta dos dedos já tão ásperos aqui; irei sentir esse inferno todo. Nada me é mais de direito, de desejo e obrigação, nada pode trazer-me verdade maior do que o tropeço, a queda saborosa e condenada a qual estou prestes a me entregar. E por isso, sou grata. Grata, devota, maluca pelo gosto, pelo arrepio supérfluo e insignificante que tudo isso já me causa. Vou cair e pairar, voar incessantemente nesse ar todo, essa fumaça que me chama, me convida para perder o fôlego e deixar a córnea queimar.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 06/09/2014
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