Persona

Esse lance de identidade é tão complicado. É um daqueles fardos invisíveis que a nossa geração jogou no nosso colo, sabe? Estamos na era da informação, pois bem; agora se tornou formalidade até nos definirmos, acharmos um rótulo que nos agrade e usemos pra nos apresentar. Isso sempre existiu, é claro-- a cobrança sempre esteve ai. Mas eis a diferença: estamos todos conectados. A cada minuto do dia, cada mínimo passo pra fora de nossa porta se faz notícia, manchete, inveja. E pra estarmos nessa rede, precisamos saber do que nos chamar.

Ok então, vamos lá.

Primeiramente, sejamos humanos por mais um segundo e vamos nos lembrar de que sim, somos todos mais do que isso. Somos composições, retalhos daqui e dali que formam a nossa persona, certo. Mas e ai, e a identidade social? E o encaixe, o papel que representamos nessa bagunça toda, como é que fica? Podemos ignorar o quanto quisermos, estamos num meio social e somos sim uma peça dele. E uma peça precisa ter um local de encaixe pra engenhoca toda funcionar. Eu sou artista, cientista, filosofa, boêmia? Sou um diploma, um mérito concedido pelo estado, um abraço de reconhecimento de alguém? Não. E é ai que caímos no raio da cerne humana mais uma vez. Somos o que o espelho mostra, simples. Simples? Vejamos. Sou o que eu vejo em mim e nos outros como aspiração; sou o mar de exemplos, pequenos sonhos de imagens que juntei até aqui. Sou, somos todos a soma de frustrações do que não nos tornamos, dos orgulhos que escondemos e do ego que inflamos mesmo sabendo que é mentira. Nem a gente sabe o que quer mais de si. Eu quero ser bonita, eu vou por mim ou pela revista? Inteligente, querida, amada, e ai? Isso não deveria ser ditado, mas é. O intelecto já não é mais apenas nosso, nem o amor que temos ou não dentro de nós. Nossa afeição se mede pelo reconhecimento alheio, nossas verdades pelo número de gente que resolve concordar. E onde isso nos deixa? No vazio, será? Gosto de pensar que não.

Esses tempos, esses dias que nós nem vimos começar nos deram esse caminho, e nós já o aceitamos há muito tempo atrás: somos a era da imagem; da arte de mentir com uma fresta de verdade, de sorrir deixando escapar aquela angústia escondida em nós. Pro inferno com nobreza, com a hipocrisia dessa camada de honestidade, então. Eu me acho diariamente e luto, brinco e danço com isso, com a vontade de jogar todas minhas verdades ao ar e ter de respirar e segurar mais um pouco a pose pra foto. Uns veem, outros nem ligam, sem falar dos infelizes que nem sabem mentir-- ah, mas esses são os sortudos! Apenas vão no seu passo e mostram o que tem, se tornam o que momento faz deles. Já pro resto, piedade: uma hora a gente aprende, uma hora a gente se encaixa e entra na foto, abre um sorriso pra enfeitar. Até lá, que a nossa lábia engane até a nos mesmos, que a mentira seja boa o suficiente pra ainda ficarmos de pé e continuarmos procurando por alguma certeza babaca dentro da gente.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 08/09/2014
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