Carrancudos

Nos chatos ninguém pensa. Quem quer olhar pra uma cara fechada, carrancuda? Pois bem, que dê-se voz aos chatos duma vez. Aos calados e sem graça, de rosto preto-e-branco e hálito feito gelo seco.

O que tem com eles? Só sabem olhar de longe, pedir esmola de atenção, de amor fingido de quem disfarça a dó. Ah, infelizes eles são! Pra que perder tempo com gente assim? Temos é de ir com os reluzentes e falantes, aqueles que se perdem em tanta forma, tanta cor; eles que valem algo pra nós.

Mancham, respingam suas tintas sem nome pra todo lado, se debruçam nos colos alheios, arranham, jogam fôlego esbaforido pra todo canto sem ao menos perceber. Não há segundo, instante no marasmo quando abraça-se o caos dos que sabem viver.

Os chatos que sumam, que morram de vez; sua fumaça não atrai ninguém, sua voz rouca sabe cantar canção nenhuma que nos desperte daqui. Esses só servem pro tempo besta, o tempo que sobra entre uma paixão e outra. Só servem pra sussurrar nos escombros, dançar na surdida, fazerem pose no canto sem luz da sala enquanto rezam pra não serem vistos. Pobres eles são, seu universo nunca sai de lá, dessa gaiola que é sua cabeça.

Se tem cores, fomes, amores, ninguém jamais irá saber: eles se fecham. Se prendem nessa jaula que constroem sozinhos, tijolo por tijolo que fazem esse muro de que, estupidamente, tanto se orgulham. Escolhem ficar lá; o que criam ou não, tem consigo lá dentro jamais encantará vista alguma. E eles querem mostrar. Querem o palco, a beleza dos holofotes, a euforia dos aplausos. Sonham com isso, colocam-se nesse raio de projeção e de lá nunca saem, conhecem outro horizonte que chegue perto do real. Que desperdício. Todos os gostos e toques, sedes e arrepios que são jogados no lixo por nada além do medo. Medo puro, medo bobo.

Essa corrosão deve parar, que de passo em passo, palavra pequena por vez, que os chatos e sem vida saiam de sua porta. Abram o batente da janela e limpem a poeira, aguentem o sol queimando-lhes a vista e deixem a lágrima correr. Deixem-a tocar o rosto o todo, lembrem-os de alguma vida dentro de si. Revoltem-se, revolucionem sua poesia sem rimas, deixem a verdade lhes dilacerar: digam "sim". "Sim" e nada mais.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 08/09/2014
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