Milagre

A verdade é que eu não queria te esquecer. Eu não quero fazê-lo de maneira alguma. Cada suspiro que jogo no ar, cada passo que dou, tudo isso é com a tua imagem na cabeça. Mas eu preciso, sei disso; até sinto. Sinto a cada vez que teus olhos descruzam dos meus, teu sorriso não entra em sintonia, tua pele esconde-se do meu toque.

Mas o erro não foi apenas meu, convenhamos: os lábios que se moveram, as palavras que tu me destes, isso veio tudo de você. Tu sabia de minha fome e jogou-me suas migalhas, resquícios com teu gosto apenas para manter-me perto.de ti. E eu aceitei; tu dissestes que queria, queria-me, porque diabos eu iria recusar? O corpo já se cansou de só mentir. Ele queria a realidade que o momento oferecia, queria todas as vaidades e certezas que tua respiração poderia me entregar.

E esses instantes ainda não chegaram ao fim; estão aqui, estendendo-se pelo tempo, pelo espaço em que eu caminho, pelos vãos da consciência que eu esqueço de vigiar. Esse calor está aqui o tempo todo, apenas na espreita, na surdida do dia e da ação irrelevante que uso para lhe encobrir. Preferia jamais tê-lo conhecido. Ter conhecido tamanha vontade, verdade, prazer dessa laia que só provoca na beira da malícia, da maldade. De todas as ruínas, jamais pensaria que a pureza seria a minha-- que morreria não de excessos, mas de fome, de sede na garganta seca e cansada de gritar.

Os excessos seriam minha verdadeira benção, disso eu sei. Seriam dádiva, milagre até; sentir sem pudor, sem pensar e controlar, apenas envolvê-lo nos meus braços e recitar-lhe todos meus delírios no pé do ouvido. Isso, essa minimalidade do amor humano seria meu milagre.

E tu me fez acreditar, então que a cegueira venha e me carregue, conduza pelos ares que prometem essa mesma sensação. Que fizerem de mim humana, viva, voraz. Que lembrem-de teu rosto e seu gosto, nada mais.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 11/09/2014
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