Piedade

Eu simplesmente preciso de você. Do teu cheiro, teu gosto e sombra na minha parede nesse momento, antes que isso tudo vá embora. Antes que eu me lembre da vida e suas verdades, do que elas fazem comigo, do melhor que tiram de mim. Não me deixam acreditar, querer, sentir nada que vá além da jaula que é a maldita consciência. Covardia, por melhor dizer.

Contigo não, contigo tudo isso é irrelevante, inexistente até. Com tua pele colada na minha, teu sorriso quase me abraçando, nada disso tem chance por aqui. Esses demônios, esses horrores: tudo evapora no espaço entre as nossas respirações. Elas são poderosíssimas. Invencíveis até, gosto de pensar; mas claro, eu me iludo demais. Vai saber aonde tu estás, o que paira em sua mente agora, se ao menos se lembra do sabor que lhe deixei. Eu sei que não. Eu sei e está tudo bem, eu aceitei isso. Eu quis. Aceitei a miséria, a migalha que tu deu-me por caridade e assim, permaneci viva só mais um pouco, só o tempo de fixar teu rosto aqui, em meu imaginário. Lá nada nos alcança. Nada o fará ir embora, machucará ou me denunciará para ti. Lá sou perfeição, sonho, utopia.

E você é só a mesma imagem que mostrou-me desde o início, sem tirar nem pôr. O mesma insanidade, impossibilidade de beleza pra carne suja feito a minha. Mas lá tu também queres ficar ao meu lado. E claro, meus olhos ardem toda vez que sou obrigada a abri-los e sentir o espaço vazio ao meu redor. Mas ainda terei mais um segundo, sei disso, sinto. Farei de tudo que estiver em minhas mãos para segurar-lhe nem que mais um pouco, nem que só o suficiente para afogar-me no sonho por mais uma noite, mais uma eternidade ao seu lado.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 16/09/2014
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