Desistência

E se o medo for realmente tudo que eu tenho, então tenho é nada. Se é disso que sou feita, de medos, receios e raivas, lamúrias guardadas das quais já nem mais me lembro, sou só o vácuo, o vazio pronto para ser preenchido. Mas não, eu sei disso. Nas horas de sobriedade, da mais pura e monótona lucidez que me lembro da infinidade que carrego comigo.

Infinidade de vontades, desejos inacabados, mal-expressados, saudades guardadas. E já nem me importo mais com isso; se o medo é o que me rege, então tenho mais é rumo nenhum. Nada vale mais do que isso, estar na aleatoriedade do caos, do vento, da vida e do que ela faz-me sentir. O que eu quero, eu quero agora.

Não posso falar pelo segundo seguinte, pelo próximo toque ou sonho que me vier à cabeça. Mas esse de agora, ah, esse me possuí! Esse de ser, de pertencer à sensação, à perdição e corrupção da ingenuidade, da estúpida crença de que sim, o mundo está em minhas mãos. De que tenho controle sob tudo isso, sobre o que tu pensas ou queres de mim, do que posso lhe oferecer e fazer querer, sentir, precisar. Não posso absolutamente nada; estou aqui, de braços e alma, coração aberto para todo esse furacão, todas essas quedas doloridas, todas as desilusões que couberem-me à carregar. O controle já foi minha ruína uma centena de vezes e dele já não quero mais nada --quero o que tiveres aqui, em minhas mãos, aos meus pés e escapando-me entre os dentes nesse instante.

Quero a dor e o prazer, a raiva e o amor sofrido, exaurido que puder extrair do segundo em que respiro, que lhe sinto, lhe vejo ao meu lado, independente de quem tu fores. Sua face perderá formas inúmeras vezes, vozes e toques, tudo isso ainda esvanecerá. E eu os guardarei. Os sentirei dia após dia, a cada noite de insônia que me vier e me obrigar, sufocar nas lembranças disso tudo.

Tudo será novo e eterno, perpétuo para quem quer nada além dum amor insano, impossível. Sem fronteiras e nada mais. Quando der-me conta de sua inexistência, sabe-se lá o que será feito de mim, mas até lá, deixe-me ser enganada. Eu gosto, eu amo a mentira e todo o sabor de utopia que ela traz consigo para cá.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 18/09/2014
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