Linhas

É nas linhas do teu rosto em que eu me perco. É no entrelaçado dos corpos, no momento de sobriedade, na sossego da covardia que se disfarça de consciência em que consigo enxergar-me de uma vez.

Sem artifícios, máscaras nem nada que esconda minha face em sua síntese definitiva, o que ela diz e o que dela chega em teus ouvidos. Teus olhos de cor que ainda não sei definir, como tu me sentes, qual a vontade que lhe dá ao correr os dedos pelos riscos, traços de meu rosto. Amo quando tu fazes isto. Quando sente-me sem permissão, quando sussurra o que eu nem sonhava em ouvir, quando devora-me em abraços nos quais ainda sinto-me presa, perdoada, recebida.

Meu amor, me perdoe. Perdoe-me por isso tudo, todo esse caos que já joguei aos teus pés mesmo que sem querer, pela imagem falha que lhe ofereço, pelo caminho incerto em que peço para você me acompanhar. Mas já não posso mais deixar-lhe ir; mesmo que despercebidamente, meu mundo já não é mais o mesmo contigo. E eu nem quero que seja.

Não quero mais aquela velha neblina, o hálito frio, a pele seca e sem vida que há tanto já me cobre-- quero o calor que tu me destes e fez parecer novo, quero a verdade que teus olhos parecem prometer, a raiva da tua ausência. Volta. Fica, não vai-te mais embora daqui. Irei lhe guardar, isso posso jurar para você. Tu serias meu maior bem, orgulho, vaidade. E eu seria toda a beleza, toda a possibilidade de decência existente em mim: seria tua, tua e nada mais.

Sei que para consegui-lo, jamais isso que sou, conheço por hoje seria suficiente; mas ainda assim, não vá. Fica, nem que só mais um dia, mais uma noite para fazer-me sonhar com o insano de ter-lhe aqui de uma vez, dê mais um pouco de teu gosto e deixe-me querendo, acreditando que ainda há razão para eu ficar aqui, apenas te olhando de longe. Fique e seja minha vista, meu cenário imaginário onde tudo que preciso é possível, pelo menos até meu próximo despertar.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 24/09/2014
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