Condições

Mas me explica, como é que já faz tanto tempo assim? Como que tudo já mudou, toda aquela euforia de ontem já passou e estamos aqui, sem rumo algum? Só jogando o tempo pela janela, deixando o vento levar tudo que sonhamos, idealizamos com tanto gosto, paixão.

Era tudo vazio? A vontade, a necessidade pela perfeição, pela aurora doutro dia que nos levaria pra outro lugar? Não, não pode ser assim. O que nós queríamos era real; nós éramos reais, palpáveis e cheios de vida dentro de nós. Tudo que dizíamos, pensávamos e criávamos na cabeça sem nem ao menos considerar um terço da realidade, toda aquela magia, fantasia que era nosso refúgio: não se pode apenas jogá-la fora.

Eu sou tudo que já passou por minha mente, todos os matizes de utopia, todas as faces que já quis segurar em minhas mãos, todas as palavras não ditas e esquecidas pela hora, para sempre. E a ideia dessa eternidade é algo tão confuso. Se amei-lhe noutro dia, porque não mais hoje? O que fez-me desacreditar de tudo aquilo que colocou-me aqui hoje, vendo tudo desse jeito tão particular? Somos nada além de composições. Do amontoado deixado para trás, do que tentamos construir hoje e, sem querer, carregamos para o amanhã. Somos o que jamais iremos conseguir planejar, o erro, o tropeço, a queda e toda beleza despercebida contida nela.

E não posso, nem se quisesse, pedir por algo a mais. Algo além disso, dessa paz, a mínima e intocável certeza de que, mesmo no caos, está tudo bem: somos dele. O abraçamos e somos levados, carregados pela indefinição, pelo medo que impulsiona e nos faz tentar mais uma vez nomear tudo isso. Jamais teremos nome algum. Nome, casa, pátria ou dono, raiz que segure-nos de vez-- a dúvida é a fome, o fôlego que corre atrás dum tal amor perfeito, inexistente por aqui.

Conosco temos só o amor falho, doído e arrastado, que corrói e alimenta cada um de nossos passos. E não quero outro amor, de maneira alguma. Quero o erro, a ferida que, embora doa, faz a pele respirar, sentir todas as belezas e impurezas por aqui; nada jamais valerá mais do que isso, do que sentir o seu lugar mutável e impossível de domar, mas sentir-se presente por inteiro. Do que a paz intocável em meio ao caos.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 26/09/2014
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