Menina

Ela nunca foi de pedir demais de ninguém. Não achava que tinha esse direito, essa manha de fazer o que quisesse com quem quisesse. E ainda fingia abominar os que o faziam, mas não era bem essa a verdade. Queria ter a coragem, a pachorra de fechar os olhos e só dizer aquilo que lhe viesse à cabela na hora. Orgulhosa mais do que deveria, não queria que a vissem desse jeito: queria ser algo do tipo duma imagem, aquela pessoa que os outros citam quando querem dar exemplo. Queria que todos olhassem para ela e a admirassem por, sem esforço algum, ser uma pessoa extraordinária.

Adorava quando olhavam-na e soltavam um sorriso sem motivo, um cumprimento com mais gentileza do que esperava, sentia-se especial. Ou as pessoas resolveram sair de casa com mais beleza junto delas, ou ela a carregava quando o faziam. De qualquer maneira, gostava dessa ideia, de que ou um ou outro tinham alguma poesia que de vez em quando despertava.

Era idealizadora, sempre foi. Nunca soube bem separar aquele imaginário todo, aquela peça, aquele amor sem base alguma do que realmente acontecia ao seu redor. Caía, caía por isso o tempo todo, e aguentava. Todos os dias e todas noites achava ver o fim bem diante dos seus olhos; o seu fim, o fim de tudo aquilo que sonhou, que criou e, timidamente, deu seu jeito de botar na realidade, mesmo que de maneira falha, não deixou morrer.

Essa morte era a pior parte, perder a euforia pelos seus dedos, perder o fôlego que, enquanto só vivia dentro de si, era inatingível. Ousava colocá-lo para fora e pronto, tudo era exaurido sem ela ao menos perceber. Só sentia a facada e nada mais.

Pairava. Pairava na queda, dava passos cheios de medo que traçavam nada além de linhas tortas naquele chão que já nem mais conhecia. E só naquele instantinho, aquele mísero segundo que nem ao menos notava-se, quando olhava para trás e só puxava um suspiro, que via o que deixou.

Via as flores, o rumo desalinhado, as marcas de seus pés-- aquilo estava levando-a para algum lugar. Mesmo sem saber que lugar ele era, se ao menos existia depois daquele horizonte tão sem cores à sua frente, ela pôde sentir as formas que ficaram para trás. Que ela criou da maneira mais despretensiosa possível, apenas indo e respirando para chegar um pouco mais além.

Cada passo era uma chegada, uma conquista, um retalho de sonho sem rédea que realizou-se sem tentativa alguma. E a preencheu de todas as maneiras possíveis, deu-a todo o amor que precisava para mais uma caminhada. A ilusão era isso, nunca será nada mais, a ruína e a salvação, o que sufoca e liberta ao mesmo tempo, contanto que continuasse dando seus tiros no escuro, deixando-se ser vítima da chuva, do vento, da vida. Da insanidade que sempre lhe fora ousar abrir os olhos e não deixar seu mínimo desejo ir embora.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 01/10/2014
Reeditado em 01/10/2014
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