Companhia

Ah, como eu quero estar contigo agora. Contigo mesmo, tu, vulto, sombra, mínima aparição que apenas ameaça de tirar-me desse marasmo de vez. É só isso que eu quero, nada mais, posso lhe prometer; o abraço, o toque, a sensação. A vontade tão impeta quanto estúpida em sua síntese, nada mais. Quero o tátil. O móvel, insolúvel, impossível de colocar numa resolução bonita, que dê pra apresentar. Quero o final de tudo isso; dessa demora, enrolação. A morte ou a vida, a dor ou o prazer, ambos em iguais proporções. Mate-me com teu gosto ou me reviva dia após dia com sua volta inesperada, só isso. Não me deixe esperando, acreditando, querendo-lhe desse jeito tão insano, cheio das pretensões sem fundamento. Tu, que me vê pelo dia, pela hora sem nenhuma marcação, vem aqui. Vem aqui, vem e faz de mim gente, humana, com algo decente dentro de si. Me dá tua humanidade. Deixe-me devorá-la de uma vez, sentir todo seu sabor e engoli-lá até o fim das minhas entranhas. Não põe um fim nisso, eu lhe peço. Não finge que está tudo bem, tudo ajeitado e bonito, pronto para o ponto final. Deixa eu estragar logo isso tudo, deixa eu manchá-lo com minhas cores sem nome, deixe-me pertencer a todos os corpos que passarem por aqui. Me deixe ser tua ruína-- tua e de todos que derem-me a chance, o vão para entrar e sentir, confirmar-me como bicho, gente, como personificação torta de algum tipo de amor. Vou errar, arruinar todas as cernes que deixarem-me espiar pelo canto e invadir, deglutir qualquer parte inofensiva que largarem à vista. Quero ser tua benção e teu inferno, amor e horror paralelamente. Deixe, pois tua humanidade nunca alcançará ápice como esse. Isso, eu lhe digo, é uma promessa.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 02/10/2014
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