Negação

Saudades do gosto das balas de banana que sempre estavam no bomboniere da minha avó. Saudades de como o Domingo melhorava quando a gente ia lá de tardezinha. Da escadaria pro apartamento que, aos 6 anos de idade, parecia infinita lá de baixo. Saudades do calçadão daquela praia que íamos todo Carnaval. Dos prédios enormes na avenida e do cheiro de abafo da garagem onde descarregávamos aquele monte de malas. Também sinto falta daquele sofá-cama todo mofado, sabe? Não, mofado não. Velho, que seja. Da vista no vitro da cozinha minúscula que dava pros pedreiros na frente logo às nove horas da manhã. A gente sempre foi de acordar tarde mesmo. Chegava na praia e pisava naquela areia pelando. Eu me enrugava toda naquele mar cheio de sal (que eu adorava). De noite era sorvete. Toda noite, bem assim. Roupa bonita, cheirosa, chapéu novo comprado naqueles quiosques enfeitados lá. Cachorro. Cachorro novo, preto, peludo e medroso. Chorava o dia inteiro que ficávamos fora. Viagem de volta era só apostar corrida de costas com o outros carro e fazer farelo comendo porcaria no banco de trás. Escola, uniforme que pinicava a pele toda. Tanto doce de tanto gosto que dá até dor de cabeça de lembrar. Muito desenho, final de semana de manhã, acordar cedinho com o cobertor enrolado no corpo mirrado. Televisão, pão com queijo, fanta laranja. Saudade de cada coisa, não tem como listar. Da delícia de inveja perpétua que era só sentir esse monte de minuciosidade e nem ligar. Querer de tanta coisa e olha, nem imaginar a nostalgia que ia ficar depois. Se tem alguma fração de amor por aqui agora, veio de lá, isso eu sei, dessas horinhas. E eu as adoro. Adoro lembrar e suspirar, fingir que ainda dá pra sentir. Vai saber, quem sabe esse presente azedo me deixa com vontade ainda-- tomara. Tomara que eu pague a língua e ainda ame tudo isso aqui, toda essa dor. Que isso ainda seja poesia demagoga pra outro dia e só me faça de boba lembrando e desperdiçando o sabor desse amanhã que nem chegou. Eu vou me arrepender de tudo isso, e ah, eu vou amar. Disso eu tenho certeza.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 04/10/2014
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