Motivo

Me sinto sozinha agora. Mas, ao pensar nisso, eu não estive sempre sozinha? Então é excepcional; sinto-me excepcionalmente só. Agora sim.

E porquê, o que tem de novo? Porque foi nesse dia, nessa hora que resolvi me deparar com essa sensação que há muito já me é conhecida? Não sei responder isso. E tudo está tão bem; não ideal ou perfeito, mas real. A felicidade tornou-se para mim algo tangível, algo que dói e deleita num delicado equilíbrio de proporções. Então porque, pergunto-me de novo? O que há agora nesse chão que não havia, não me encontrava ontem? Não há nada a dizer. Eu, será? Teria como meu ar, meu suspiro e minha voz, minha pele e o quanto ela se arrepia a novos toques que, de algum jeito se renovar? Pois já não me vejo da mesma maneira. Não encontro mais meu reflexo onde antes este costumava ficar, não sinto mais a superfície sob meus pés como outrora já estava tão habituada.

Não sei, não consigo e nem quero mais fugir de tudo isso, todo o caos que me rodeia, cerca, encurrala-- quero nada além do sabor da rendição. Não mais projeto meus amores em espaços vazios, não rasgo minha voz gritando aonde ele jamais irá se propagar: me vejo, me ouço, me quero. E quero-lhe também, independente de qual fores tua imagem para mim.

São passos no escuro com presenças anônimas que, embora eu sinta, não consigo identificar. Mas eu não quero deixá-as fugir, não. Não desta vez, não por agora em que todo amor que possa existir em mim corre sem que eu ao menos possa tentar controlá-lo. Essa é a solidão; sentir e ter de tudo consigo, ter para quem se doar mas ter de conter-se. Que antes do fim alguma sombra, espectro de gente ainda venha e deixe nem que um vestígio de toda essa minha vida fluir por si. Por nós, independente da face, da vontade, do pudor. Que nada nos impeça de viver como o fôlego nos ditar em nosso sono, nosso sonho sem fim.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 12/10/2014
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