Sedação

Eu simplesmente não consigo mais extrair sentido algum disso tudo. Não enxergo mais nenhum horizonte, já nem sinto mais minha própria pele contraindo-se no vento frio que sopra por aqui. Prometi que não deixaria isso acontecer; que caminharia firmemente, que desviaria, iria pairar sobre as linhas de rachadura no concreto desse chão. Desde o início eu soube que era mentira, é claro: não sei, não quero comedir o quão entregue estou nisso tudo. Não sei amar com estribeiras, fronteiras, razão. E no momento em que o primeiro passo foi dado nesse ilusório, delírio tangível daqui, o fim já foi escrito-- se ousaste abrir os olhos, não mais para ardê-los apenas, mas também deleitá-los, não há mais o que ser feito. Daqui para frente é só a queda; a vista, o ar cortante por entre os dedos, a sensação de voo, quando na verdade, apenas entrega-se ao precipício. Ao prazer e a dor, a todo o amor presente no segundo em que a consciência deixa-lhe respirar e absorver todas as ruínas que puderes aguentar. Que seja, então. Que essa seja a morte e a vida, o horror e a beleza de deixar o sangue estancado correr e arder a ferida que jamais irá se fechar novamente. Essas linhas de cada mínima cicatriz serão vossa poesia, beleza abstrata que nos define e nos corrói.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 12/10/2014
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