Melodia

E eu já ouvi essa música. Ela já ecoou nas paredes da minha cabeça há muito, já marcou minha pele e voz ao cantá-la com todo aquele fôlego que já fora esquecido. Fôlego exaurido esse, dedicou-se para tanto. Cada linha de sua poesia, cada estrofe decorada, cada agudo e grave que rasgava-me a garganta ao tentar imitar: tudo isso já esteve por aqui e deixou-me algum sabor de recordação. Como posso ouvi-lá novamente agora? Como posso sussurrá-la apenas, dar-lhe espaço para embalar outros dias, outros sóis além daqueles de tanto tempo atrás? Parece uma eternidade. O mesmo sentimento daquele caos, daquela bobeira, criancice, arrastou-se de novo para cá. Com nova face, máscara, ilusão-- mas é a mesma ruína e alegria, mesma euforia de quem acredita na melodia barata que me é jogada aos ouvidos. Tanto chão para trás, tanta via, tanta queda, e para quê? Cá estamos mais uma vez, sonhando com o insano, deixando-lhe tomar conta de cada ponta da gente. Cá estamos como sempre foi, só nos fazendo de vítima, refém da jaula que nós próprios construímos. Nós amamos toda vez, nós queremos isso tudo; o joelho ralado no chão áspero, as mãos secas do sol ardente acima de nós, a vista cansada e ainda assim, louca por mais um horizonte que a cegue mais uma vez. E é essa música, sempre ela que virá tempo após tempo, vento após vento com a maré da gente, a estação: sempre virá e nos a ouviremos como se fosse nova. Como se nunca dor alguma já houvesse tocado este corpo e fôssemos todos livres para cair de novo, sempre como se fosse a primeira vez. Eu quero mais é cantar, então. Cantar e bailar com esse murmurio quase sumido daqui, mas que ainda provoca-me de leve. Que eu caia na dança, no fim, no começo de todo o caminho que finjo não conhecer.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 12/10/2014
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