Sua

Eu ainda me lembro de tudo. Claro, nem faz tanto tempo assim, eu sei. Mas por outro lado, olhando daqui parece uma eternidade; uma eternidade que me tenta, me chama para prender-me em sua nostalgia, nesse gosto que tento esquecer mas ainda roça-me a língua na malícia.

Eu lembro de tudo: todos os sorrisos, os aromas, as vontades que escaparam entre meus dedos e projetaram-se nessa lembrança louca que agora tento controlar. Do mísero segundo em que fechei minhas pálpebras e puxei aquele suspiro sofrido, foi naquele instante em que toda a infinidade aconteceu. Em que tua respiração cruzou os espaços entre nós e alcançou minha pele descoberta, em que tua voz arrastada envolveu toda minha consciência e projetou nada além da tua imagem em minha mente. Me lembro dos dias, o começo deles. Do medo misturado com o desejo de lhe ver, tocar, sentir-lhe perto de mim. E o fazia-- fazia da maneira que mais me enlouquecia, fazia-me perder.

Era tudo sem querer. Eu te amava sem ao menos tentar, sem entender, te amava na hora em que desviava de ti meu olhar e tentava acreditar que não precisava da tua silhueta assombrando-me ao redor. Como eu queria isso; fugia de ti enquanto tropeçava no caminho que propositalmente desenhei. Queria cair aos teus pés. Queria a mentira da tua afeição, acreditar que noutra visão poderia pertencer-lhe por inteira. E a loucura maior foi que, lá no fundo, estava certa. Eu pude, eu posso ser sua bem que naquele mísero momento em que nada ao redor pode nos tocar. Em que teu gosto impregna em meus medos e faz deles nada além de respirações contadas e descabidas para ficar ao teu lado.

Vou me enganar, vou cair e mentir para todos meus possíveis reflexos e dizer o quão bonito tudo isso é. Já não pertenço mais a mim mesma: sou do teu consentimento e permissão, teu sorriso largado que dilacera todos meus pudores e coloca-me à mercê. Mercê dessa indefinição toda que me deleita, torna humana e refém de tua misericórdia. Do momento em que tu deixas eu te amar e me arranca das barreiras, das fronteiras racionais entre nós.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 14/10/2014
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