Independência

Eu não vou ter essa conversa contigo agora. Não vou explicar tudo isso, essa raiva que estanca minha vontade, que exibe e distribui a minha vergonha. Não vou te deixar virar a maçaneta dessa porta, meu amor. Eu sei que não te amo, claro; pelo menos não aquele amor absoluto que nos faz declarar-nos cheios de coragem. Eu te quero com ódio, com orgulho e vaidade, com pura necessidade que me recuso a negar. Te quero com a cor indefinida, os tons sem nome das minhas veias e entranhas, com o resto de beleza que esqueci de lavar em meu rosto. Aquele deslumbre todo do sonho já se foi, borrou com a chuva, o ar úmido do relento que se mistura com a lágrima que não pude segurar; agora é tudo resquício. Resquício, vestígio da inocência, da ideia, do sabor intocável sustentado por uma pele ainda sem arrepio algum. Mas acredite, tudo isso vale mais: agora é verdade, é o instante, o momento e todo o vendaval que ele traz consigo. E eu o aceito. Aceito sua dor, seu horror e ardor, prazer sem inibição e pronto para ser encarcerado no medo novamente. Que venham, que tentem, que corram-- isso não irá nos alcançar. Tu és minha praia, maré que arrasta para cá e obriga-me a buscar o fôlego e não me afogar. Continue tentando, puxando-me de volta. Eu vou e luto com todo o prazer, eu deixo e celebro toda a vivacidade recém encontrada em meus pulmões. Só não se engane, eu lhe peço: não é para ti. Tu fazes-me respirar, mas não é meu ar. Este, eu te juro, sempre esteve e sempre estará aqui dentro de mim, pronto para mais um furacão bonito como teu rosto.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 28/10/2014
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