Luta

Onde eu estava na virada disso tudo, me responde. O que fazia, dizia para as paredes, escrevia sem esperança de ser lida, uma linha que fosse? Não vi essa página virar, não foi pelo meus dedos que o capítulo renovou-se assim, tão de repente. E não, não estou lamentando, estou apenas é encantada demais, vislumbrada com isso tudo. Que chão é esse, tão liso, bonito, confiável de passos em falso? Não é possível. As pedras ainda vão dar suas caras, algum precipício ainda aparecerá nesse horizonte e colocará-nos à prova antes do final. E está tudo bem, eu quero esse abismo, essa queda. Quero estar pronta para ela, será que tem jeito? Tem como acertar, como fechar os olhos e confiar, ir em frente com todas as rachaduras escondidas debaixo de meus pés? Não tem como saber, como senti-las. Eu não quero que o solo de lá seja nosso fim. Temos que aguentar os joelhos ralados, a garganta rasgada e sem voz para soltar, temos que permanecer de pé quando tudo que pudermos enxergar seja o vermelho infinito acima, em volta de nós. Vermelho de nosso sangue, de nosso amor cercando-nos e oprimindo, exigindo tudo que conseguirmos extrair para não fecharmos os olhos. Não irei fazê-lo, lhe prometo. Nem ao menos sei como faço essa promessa, de onde tiro a certeza frágil que preciso para proferi-la para ti, mas que seja. Preciso da força, do ardor. Do prazer e jubilo, euforia que diz ser eterna, da ingenuidade de acreditar que esse calor não irá embora daqui. Preciso de tudo isso eternizado dentro de mim, marcado em minha pele feito um livro. Um livro em braille para poder decifrar com a ponta de meus dedos gastos amanhã, quanto o tempo mudar, quando o ar gélido tentar sufocar tudo que há de vivo em mim. Quero e juro estar aqui, chega. Agora chega de prever, criar armaduras e refúgios para uma guerra que nem sei pelo que lutará. Que venham hoje os amores, as perdições duma alegria que não parece ter fim: que tudo isso nos deleite e carregue por hoje, que crie a ruína do amanhã. Se é para lutar, que tenhamos uma causa, que seja pelo abraço vivaz que temos agora. Quando ele se for, aí a gente vê, corre, grita de uma vez. Hoje eu quero sentir e ser grata, reconhecer todos os ares que me carregam e deliciam sem eu nem ao menos perceber.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 29/10/2014
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