Meu

Eu preciso dum puta café forte agora. Preciso daquele gole fervido rasgando a garganta e fazendo-me esquecer disso tudo; preciso do teu abraço, sabe? Tão forte e sufocante que nem me deixa pensar nesse caos, nem que por um segundo só. Esse segundo vale a pena, posso te dizer. Adoro tê-lo comigo, senti-lo assim, me esquivando dessa neurose, desse medo, desse frio. Contigo, tudo que eu sinto é calor; calor de raiva, de vontade, de necessidade. E olha só, eu nem ao menos sei que tu és. Sei lá eu a cor da tua face, as linhas que a desenham, o bafo que tu soltas sem perceber. Teu semblante é tipo sombra, sonho de ópio, alívio e condenação: ele não existe, mas permeia cada mísero e maldito pensamento meu. E eu não espero ter-lhe por aqui, pode sossegar. Há muito que aprendi como andar nesse chão, que tracei meus passos melindrosos, contados, sem graça e sem cor por aqui. Foi necessário, tudo bem-- deixa que no sonho eu me liberto. Liberto disso tudo, do teu vulto, teu gosto que eu ainda não consegui inventar para mim mesma. Acho que não deve ter nenhum, isso sim. Se tu és sombra, deve ser tipo cinza de cigarro, pó daquilo que queimou e a gente nem lembra mais o que era antes. Tu és meu sonho e, fora isso, não é nada. És absolutamente tudo que eu posso criar feito arte, encantar e deslumbrar pra todo canto, és toda beleza que jamais poderei expressar fora de mim. Fora daqui, tu tens expressão nenhuma. Aqui, meu amor, é tua prisão. O delírio de minha cabeça é teu palco, picadeiro: se tu ousas pisar fora, vai com o vento, com o dia e a paisagem mórbida que só vejo de vez em quando no cantinho do olho. Por isso quero minha cafeína requentada, meu porre caído pro sono e pra vontade que nunca consegue vencer: se num instante em que eles embriagam-me de leve, sou do mundo, da vida e tudo que posso jogar nela. Até então, sou carcereira. Prisioneira ao mesmo tempo, louca e devota à tudo que cabe por aqui, nesse imaginário imbecil e delicioso que carrego comigo. Por agora peço apenas isso, só mais um momento de fuga para jogar tua imagem ao mundo e assistir, ver no que dá.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 29/10/2014
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