Homens não choram

Marcelo andava pela pracinha quase derrapando nas pedras soltas que haviam naquele chão, mas ainda assim conseguia desviar de todas elas com a mesma rapidez que seus pensamentos fluíam naquela tarde nebulosa. Houve um momento em que o raciocínio agitado lhe abandonou e pôde prestar atenção em sua volta, foi nesse minuto de calmaria que um homem lhe chamou atenção. Tinha cabelos grandes e barba volumosa, era musculoso, alto e chorava feito um menino sem amparos.

Suas lágrimas salgadas jorravam e passeavam por toda a sua face até encharcar a barba grisalha. Marcelo observou toda a expressão de dor daquele homem durante bons minutos. Ficou embasbacado ao imaginar o que poderia ter causado tanta dor em alguém cuja aparência transparecia certa fortaleza. Enganou-se ao achar que tal homem não poderia desmoronar, já que era semelhante a um muro alto, daqueles que ninguém se arrisca a pular. Forte como um touro, poderia brigar com quem fosse e ainda assim não sofreria grandes arranhões. Mas este homem, com características de tigre, tinha um grande coração, maior até que seus músculos.

Marcelo então, não podia aguentar de tanta curiosidade e sua piedade o incomodava ao vê-lo chorando até soluçar. Se aproximou: - Cara, posso te ajudar ? Um silêncio se instalou durante alguns segundos e então o homem voltou a chorar, de modo que as palavras foram engolidas por todos aqueles soluços. Mas, não desistiu fácil: -Te acalma, tristezas podem ser levadas com o tempo. E foi então que o barbudo aquietou-se e conseguiu ensaiar uma fala.

- Desculpa ficar em silêncio. Sou Leandro, prazer.

- Prazer Leandro, sou o Marcelo. Sei que não nos conhecemos, mas se quiser se abrir, fique à vontade.

- Obrigado Marcelo, agradeço sua gentileza, mas creio que não posso encher seu tempo com minhas dores. Me sentiria mal por isso...

-Cara, sem problemas. E me desculpe, mas fiquei curioso sobre o que faria um homem com aparência tão forte, chorar tanto.

- Forte eu? Aí que se engana, assim como eu mesmo me enganei por muito tempo e não me permitia expressar os sentimentos. Não sei quem colocou essa ideia maluca de que o choro representa fraqueza. Ninguém é forte o bastante para não se decepcionar, sentir dor, se magoar ou simplesmente sentir saudades.

-Acontece que sempre ouvi aquela frase sabe?! “Homens não choram” e tomei como verdade durante toda a minha vida. Mas, agora que falou me fez pensar sobre.

-Marcelo, o choro é tão humano. E é isso que somos: humanos, errantes e temos que nos permitir expressar qualquer que seja a nossa dor. Por isso, eu choro nesta praça pública, sem medo de que me vejam, ou me achem julguem fraco, porque me torno mais forte a cada dor enfrentada e a cada decepção que vivencio. Quando as lágrimas insistem em desenhar meu rosto, eu torno-as livres e permito que saiam, sem levar em conta uma simples “regra” imposta. É tão belo deixar-se levar pelo sentimentalismo. Eu não sei ser de outro modo, porque ser assim é o que faz parte da minha alma, faz parte de quem sou. Se algo me comove, lágrimas serão bem-vindas porque representam aquilo que senti. Não sou mais capaz de cometer esse erro comigo mesmo e deixar de expurgar tudo aquilo que precisa sair. Só assim torno possível a capacidade de me renovar, renascer em um novo dia, crendo que me tornei mais humano e mais forte. Marcelo, te agradeço por perguntar os motivos da minha dor e demonstrar preocupação, porque sei que muitos não teriam tal atitude. E sabendo que você tem um coração bondoso, se me permite aqui vai um conselho, não deixe de derramar lágrimas, pois acumuladas podem causar-lhe um mal terrível e te encher de mágoas. Chore quando achar que seu coração pede. Chore quando achar que é necessário. Ao contrário do que dizem, isso te fará mais forte. Bom, agora preciso ir, até breve.

O homem terminou sua fala, o olhou por alguns segundos, levantou-se e foi embora em direção à estação de trem. Marcelo ficou impressionado com o discurso e parou para pensar nas inúmeras vezes que não chorou. Ficou sentado naquele banco, em pleno silêncio a refletir sobre as grandes verdades que ouvira e como aquelas palavras foram necessárias. Continuou sem saber o motivo de toda aquela dor de Leandro, mas isso não importava mais. Guardou todas as palavras em seu coração e prometeu para si mesmo que choraria quando lhe fosse necessário, sem se importar com quem estava a sua volta. O mais irônico e marcante naquele momento, além de ouvir o discurso sábio, foi o fato de oferecer ajuda e recebê-la, mesmo sem saber que precisava.

Tatiana Espíndola
Enviado por Tatiana Espíndola em 03/11/2014
Reeditado em 19/12/2021
Código do texto: T5021092
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