Pingos

Essa chuva escorrendo pela janela parece tentação. Provocação, chamado para brincadeira, para coragem insana que eu nunca deixo sair de mim nos dias de sol. No sol eu ando, corro e bailo, pairo sob seu calor que me acolhe, traz para casa. No sol, eu deixo todas minhas inquietações serem abraçadas pela luz; mas agora, assim, ah. Assim não dá. Esse mormaço falso no ar de escritório, esse monte de respiração sufocando junta aos poucos: isso não é pra mim. Eu quero o arrepio da pele quando o vento passa pela água que acabou de cair. Quero esse monte de toque e correria, aperto de gente encharcada subindo e descendo do ônibus, de voz misturada uma com a outra formando esse uníssono maravilhoso que embala-me todo dia. Que o vendaval leve todos meus medos estancados, segurados pela maldita e incessante lucidez, que nada segure-me mais do êxtase que é entregar-me ao que o momento oferecer. Eu quero, eu preciso falar. Preciso destes gostos e da ânsia alucinada, da vertigem de, no topo disso tudo, olhar para baixo e não conseguir mais distinguir as formas, as cores e os amores frustrados do chão. Entenda, não é paixão, euforia medíocre que se esvanece no menor toque possível: é a minha única verdade. Certeza, necessidade, promessa definitiva para com meu reflexo difuso de sempre-- se não sou o que sinto e carrego comigo nesse instante, então sou mais nada, tenho nada em minhas mãos. Sou nada além do juramento largado às traças, ao tempo e receio, controle que afoga tudo de vivo e real que existe em mim. Que nada prive-me disso, de ti, seja qual for tua face, expressão, rouquidão da tua voz. Eu amo o que tu podes me oferecer, amo esse fio de humanidade que encontro ao dar-lhe minha mão, sejas tu um estranho, amante, irmão. Sejas tu a respiração ofegante que vem e lembra-me de acompanhar o ritmo de tudo isso, de não deixar o sonho morrer nem matar-me de vez. Eu sonho, eu quero, e por Deus, eu estou aqui. Aqui para esse equilíbrio, essa dor com resquício de prazer para mais um dia aqui, só sonhando com o que mais esse ar todo pode extrair de mim.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 03/11/2014
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