Conexão

O absolutismo monárquico, perdido pelos séculos passados está sendo capturado sobre outra forma pelo arco íris que decompõe nosso ser. O absolutismo da ditadura da maioria, cada vez mais, falaciosamente, nos induz como verdadeira democracia, e acaba por nos fazer crer que a maioria pode, e para muitos deve, decidir, mandar, direcionar, independente dos direitos e deveres de toda e qualquer minoria, manchando do que chamo de prepotência da maioria, nossa sociedade, múltipla, complexa, e plural. Isto vale para qualquer tom político, tanto de direita quanto de esquerda. Liberdade consciente e igualdade deveriam ser o lema de qualquer estado socialmente democrático. Uma democracia é um estado em que a maioria governa, mas que defende com unhas e dentes os direitos das minorias, que não abre mão do respeito a todos, e que assim impõem-se compromissar-se e garantir direitos e deveres a toda a sociedade, alicerçando uma condição de liberdade responsável e de uma busca de igualdade entre todos.

Hoje nos perdemos em montanhas de prata ou de dejetos, nos sentimos o máximo ou a própria essência de algum excremento, nossa prepotência é transparente aos nossos sentidos, o abandono de milhões é transparente aos nossos olhos, somos assim cegos de nós mesmos e do que nos cerca, estamos perdidos, cansados, mas cheios da falsa graça de que somos divinos e que nossa divindade nos reserva um pós vida único em graça, paz e felicidade, onde o amor será algo mais do que comum, será a energia que sustentará este amanhã. Por isto acabamos fechando nossos olhos para muitas coisas, pois nosso egoísmo nos faz buscar nossa salvação, talvez mesmo a salvação dos nossos, mas não necessariamente a salvação deles e dos deles (ou em outro caminho, acabamos por acreditar que para salvar pelo menos alguns deles, cabe-nos impor-lhes nossas regras, nossos preceitos, nossas crenças, independente de eles serem seres livres ou de possuírem suas próprias crenças e preceitos, e por isto chegamos até mesmo as guerras, guerras santas, pintadas de fé, mas borradas de sangue, de destruição e de desamor, pois que pedantemente acreditamos que somente nós estamos do lado certo da verdade universal, não tenho outra palavra agora, a não ser ridículo pensamento). Estamos nas portas da conexão de nós conosco mesmo, mas tememos esta conexão certa com a imanência do que somos e com o social que nos cerca, pois preferimos esperar a conexão incerta com a transcendência além do que somos.

Quem sou eu? Um quase ninguém. Posso estar totalmente errado em minha leitura, mas prefiro a busca da conexão comigo mesmo e com o social que nos cerca, onde o eu, o tu, e o ele, se fazem presente em uma única pessoa, o nós, do que esperar uma totalmente incerta conexão com algo transcendente. Deus, um deus, poderia existir, não tenho como provar sua não existência, ninguém pode provar a inexistência de algo em um escopo tão aberto, mas sinceramente não consigo ver a mínima evidência de que ele possa existir, mas vamos apenas como exercício mental supor que eu esteja errado e que ele exista, e que seja o mínimo coerente e bondoso, o que será que ele pensa e sente sobre aqueles que afirmam sinceramente não crer em sua existência, em vida após esta biológica vida, mas que de alguma forma dedicam sua existência a lutar pela natureza e pela vida, que seriam sua criação? O que pensaria ele sobre aqueles que se afirmam ateus, mas que buscam e se comprometem em tentar transformar nossa sociedade, não por si, mas pelos que acabam sendo tratados como expurgo desta mesma sociedade de consumo, que não podendo ser mercado consumidor, não interessam para este estado, em comparação com aqueles que não param de repetir seu nome, que frequentam cultos, tão dispares quanto possível, que oram, que dizem ter fé nele, mas que muitas vezes se esquecem de se exporem por alguma transformação em que o respeito a vida e a natureza sejam plenos, que acham que a caridade salva, e assim se omitem de lutar por uma sociedade igualitária e libertária (com responsabilidades claras - direitos, sempre acompanhados de deveres). A caridade é necessária, é claro que sim, ela é premente como alternativa emergencial para os excluídos, mas a caridade, no que ajuda emergencialmente, pouco ou nada transforma a longo prazo, em muitos casos até mesmo ajuda a perpetuar o que aqui já está, somente um compromisso empático para com os que sofrem, pode nos por lado a lado com a coragem e com o desapego de lutar por uma transformação política, econômica e social...
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 05/11/2014
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