Disputa

Quanto sonho, quanta coisa, como é que pode? Como é que cabe numa pessoa só, numa cabeça limitada, que vê tão pouco, sabe de nada? D'aonde vem todo esse irreal, esse ilusório teimoso, impregnado na minha roupa, pele, alma que tanto já fez para se desvencilhar. Pobre dessa mente errante, doída, rasgada: o que já fez para largar disso tudo, esse monte de cor sem nome, forma sem um pingo de sentido sequer. Sentido, como atrela-se a isso, coitada. Acha que é o que rege, controla de todo jeito, dá chão e força para dar nele seus passos contados e medidos por aqui. Mas sabe, sabe sim que não é nada disso. Sabe que é o resquício de instinto que deixa escapar, fugir de si que dá-lhe fôlego e direção nisso tudo. Sabe que é o gosto que ainda há de ter em seus lábios e por eles brincar, engolir e guardar consigo que dá-lhe o sangue corrente, o ar para aquele suspiro sofrido que tanto gosta de puxar. Sabe que é o amor trancafiado dentro de si que dita seu sorriso e solta a lágrima salgada que escorre-lhe pelo rosto naquelas horas mais propícias para lhe inspirar. O amor por todos, por ti, por si. Por quem para pelo seu caminho e dá-lhe vontade de sentir, de segurar entre os dedos das mãos secas, cansadas, doidas para só um instante de calor acolhendo-as aqui. A mente é a mentira, a emoção é a síntese da menor de sua ação. O reflexo é a mutação, o equilíbrio fingido, montado para não fazê-la desistir. Se o surreal é o que a alimenta, fome não irás mais passar. Se o louco é a perdição, que o caminho esvare-se de vez e deixe-a cair e sentir o gosto do que tem no final desse abismo. A cabeça carcereira nunca irá deixá-la respirar por inteiro, tudo bem: um momento de vontade, de carne que não quer se segurar já lhe é o suficiente. Teu amor sairás e tocarás todos que achar pelo caminho, lhe garanto. Que pense, que questione, que chore toda vez-- contanto que ame ainda assim, nada mais lhe terás importância.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 08/11/2014
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