Paralelos

Tudo seria totalmente diferente se fosse assim. Assim, como eu penso, vejo nessas horas em que ninguém vê ou está perto. A sua face seria outra também, sabe? Eu não me prenderia a algo tão pequeno, tão banal quanto o que consigo extrair da sua expressão, eu a apenas aceitaria; e isso seria tão, tão bom, essa paz. Essa calmaria toda de apenas ver o que tenho em minhas mãos aqui e agora, nada mais. Nada disso jamais machucaria-me de novo, posso lhe jurar.

E sei lá eu o que te machuca também; ora essa, eu não te conheço. Não sei da tua vida, o que corre no teu dia, o que sente ou deixa de sentir na rotina imperceptível que a gente teima em engaiolar. Mas seja lá o que for, não existiria também. Não pela idealização que tenho aqui, de verdade. Mas por você, por nós. Pelo coleguismo, pelo estar junto. Nada jamais terá valor maior do que esse para mim. Eu faria de tudo que encontrasse comigo para te acolher, prometo isso-- embora eu saiba que minha palavra não lhe tem valor algum.

Não deixaria-te só. Não esqueceria nem guardaria pedaço nenhum de todo esse meu universo. Recitaria esse meu monte de bobeira, de retalho torto, desfiado daqui; tu conhecerias de tudo. Amigo, estranho, seja lá quem tu fosses no momento: eu iria lhe pertencer. E tu pertencerias à mim também, e iria adorar. Adorar o cheiro da minha pele, o tato rebelde do meu cabelo que eu tiro do rosto o tempo todo.

As músicas, as falas de filme. As trilhas de jogo, a correria dos bichos. Programa chato na tevê no sábado à noite, cerveja quente, pizza gelada no domingo de manhã. Tapete bom pra deitar, voz de vizinho escandaloso acordando todo mundo. Jóias, pequenas e imensuráveis, todas elas: é isso que eu iria lhe oferecer. Ofereceria-lhe meu gosto, olhar bonito quando dá-me coragem, estalar de dedos pra tentar despertar várias vezes ao dia. Ofereceria-lhe recanto, colo, esconderijo disso tudo que, vai lá saber, a gente teme tanto. Tu terias todo o prazer que eu conseguisse extrair da minha pele e colocar em tuas mãos. E olha, isso te digo: não seria pouco.

Teríamos vontades, teríamos amor. Teríamos toda essa dor que já nem dá mais pra calcular também, ah sim. Mas sabe, valeria a pena. O caminho, o passo nesse chão rachado já não seria mais sozinho; seja lá qual fosse o nome, o jogo bobo entre a gente-- daríamos adeus a todo esse medo. Medo diferente a gente tem, eu sei. Mas é medo sim, é pecado nosso fugirmos dele até agora. Contigo, eu o enfrentaria. E seguraria tua mão com toda a força que encontrasse em meu punho para conhecer o teu também. Senti-lo e processá-lo, deixá-lo entrar por ti e entendê-lo, definir o que és e porque te machuca assim, pelas beiradas.

Seríamos toda a beleza que jamais imaginamos até aqui. Mas não é assim, eu sei. Eu te vejo daqui indo embora, jogando esse monte de palavra bonita em cima dos outros, de si; e tudo bem, tu nem ao menos existes. Tu és sonho que eu teimo em projetar, só isso. Mas eu não quero jogá-lo fora ainda, não agora. Hoje eu escolho o gosto sutil que o ar me oferece, guardo-o comigo e faço fantasia dele também. Hoje eu quero acreditar e fechar os olhos, apenas agradecer pela fração de sabor que tenho por aqui. Hoje, por mais falho que tudo isso seja, é a maior benção e maior prazer, deleite que jamais teria em qualquer ilusão que caiba em minha cabeça.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 08/11/2014
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