Mártir

Era tudo bem assim, contado. Cronometrado, tudo demandado por mim e o que tinha de fazer, queria, precisava. E não era tudo a mesma coisa, jamais. O que queria, quero e preciso jamais encontrarão-se com o dever. Com a necessidade do meu redor, dos passantes, dos que resolvem ficar. Eu quero lhes agradar, quero ser teu cais. Que confiem e contem-me de tudo, repousem em meu abraço sem fim ou fronteiras. E sei que para fazê-lo, minha voz nem minha face serão-lhes suficiente: sempre irão pedir mais de mim, do que posso dar. Posso dar-lhes o espetáculo, fazê-los de platéia de quem recita, berra sonetos sem sentido algum, posso sim; mas não posso escolher um rosto dali e fixar-me em teus olhos para soltar uma palavra qualquer. Posso ser a loucura, o viés de todas tuas dores, desamores e ilusões: minha mínima humanidade nunca lhe confortará. E eu tenho de aguentar, eu escolhi isso. Eu quero não deixá-los partir, entenda. Com toda vaidade presa nos sonhos, todo o reflexo insano que cultivo nas quatro paredes onde sombra nenhuma jamais conhecerá-- meu orgulho põe um fim em si próprio dia após dia. Meu ilusório, todo aquele sabor indefinido do imaginário, todos eles são meus e nada mais. Toda sua beleza e deslumbre, tudo isso morrerá aqui comigo. E por Deus, como eu quero lhes mostrar; como quero repousar nestes braços tão firmes, tão fortes do amor alheio que me provoca a cada segundo. Mas não posso e aceito, tudo bem; apenas não se vá, não hoje. Não agora em que jogo-lhes estas palavras que olhos nenhum irão parar para absorver. Deixe-me gritar num espaço sem som algum, deixe-me acreditar. Deixe-me criar todo esse amor para apenas doar-me, ser de ti e todos eles o porto que sonho o tempo todo. Pois posso lhes dizer, vocês valem a pena. O meu amor que espere, que aguente. Ele eu mato e faço renascer, sinto a dor e o prazer de observá-lo enclausurado comigo até o fim, até exaurir essa necessidade indomável de dentro de mim.