Complacência

Vem, vem cá. Vem e me salva, desperta, liberta de toda essa droga de pudor. Me oferece um resquício do teu ópio, teu gosto que embriaga sem a gente nem perceber. Eu preciso disso, entenda. Entenda e compadeça-se, dê-me de tudo que tu possas me oferecer. Não quero pena, quero fogo. Vontade, arrastão de ideias, de toques rodeados de medos de todos os tipos e cores, todas as formas de horrores. Dê-me de tudo um pouco que tu carregas consigo por ai. Quero teu reflexo turvo, difuso. Quero o arder em meus olhos quando ele tornar-se nítido para mim. Quero que tu chames-me do que correr-lhe pela mente, do que sentires ao possuir minha pele escassa por inteiro. Ela és tua, lhe prometo. Quero mais nada daqui, desse lodo, asfalto imundo, seco; nada daqui jamais poderá me saciar. Quero tua voz correndo pelas linhas que contornam minha imagem, definindo-a. Dando-as nome, dono, abrigo. Acolhimento da frieza, do inverno eterno que é apenas correr em círculos atrás duma fagulha sequer. Chega, chega de mendicância, de migalhas sem sabor que o caminho joga-me aos pés. Agora é todo o sabor insano e indefinível que ainda posso deglutir. É o fim, o gosto dele, a poesia constante na ruína de entregar-me ao que sonhei por tanto tempo. A imagem é falha, cheia de riscos tortos e malfeitos, tudo bem. Eu a aceito, aceito e demando a vida que ela traz consigo. Eu simplesmente preciso pertencê-la e dar tudo que há em mim, toda a beleza e perdição cabível em minha alma, carne, consciência. Não me impeça, por favor-- apenas afogue-se junto de mim nesse abstratismo todo que não quer ser nomeado de maneira alguma.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 14/11/2014
Código do texto: T5035553
Classificação de conteúdo: seguro