Fuga

Eu sei do que eu preciso. Preciso da mágica do encaixe perfeito, sabe? De toda aquela ladainha colorida, enfeitada que jogam para nós nos clipes de música e nos filmes dublados que pegávamos pela metade toda tarde. Preciso dum colo, um abraço perfeito; do tom que sai dessa tal boca e vocaliza numa sincronia perfeita com a minha. Do toque que já imaginei há tanto tempo, do gosto minucioso que delira-me só de ameaçar vir-me na memória. Mas eu não quero nada disso; quero esse estrago, esse retalho falhado de gente, de junção que tenho em mãos agora. O amor falho que se expressa pelas linhas de meus dedos, o sentimento abstrato e rebelde que escapa de meus olhos sem nem deixar-me nomeá-lo. Não quero adulação, mentira da idealização que só mantém-me nessa gaiola sem ar, sem vida. Quero o ar que corta-me por dentro e revive a cada suspiro fundo que sou obrigada a achar dentro de mim. Quero essa realidade com todos os riscos tortos e cantos fora da nota, imagens fora da visão daquele velho horizonte já todo desgastado por mim-- que caia, que erre, que machuque-me como for necessário. Que viole minhas seguranças ilusórias e nunca mais permita-me voltar para aquela escuridão. Essa luz que vem e cega, arde e lacrimeja minha córnea, ela é tudo pelo qual posso pedir e precisar, a inquietação de sempre querer enxergar nela alguma verdade nova para mim.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 20/11/2014
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