Permissão

Deixa esse tempo passar então; deixe-o entrar pela janela entreaberta, esvoaçar-me por inteira. Deixe-o levar todo esse entulho, monte de pilha de disco e nota velha daquilo que eu já sei há tanto tempo. Não quero corpo vazio, correria sem explicação por entre as entranhas dos pensamentos inacabados. Quero respirar ao lado do cerne mais simples, da síntese de gente e do calor que ela traz consigo. Quero o suspiro de deixar o vão da porta levar tal semblante, tal sombra embriagante para longe daqui. Quero o sorriso da volta e a força da rotina concreta que liberta-se escondida da razão. Liberta-se pelo passo, pelo trago e pelo toque, pela mínima vontade que escapa de meus dedos e transforma-se em ação, em lembrança. Em facada, ferida aberta sentindo todo o sopro corrente ardê-la por inteira. Eu gosto disso. O sonho é o maior ópio de todos, sua corrosão é daquelas que a gente nem sente, nem vê. Disfarça-se de cura, de saída: quando é nada além do maior abismo que nossos pés possam encontrar. Dele eu quero fuga, escapismo, libertação-- quero o gosto maldito disso tudo impregnado no ar sujo que passa pelos meus pulmões agora, quero o que minha pele permite passar por si sem consumi-la de vez. O que couber nessa consciência insistente, errante, orgulhosa; o que meus ombros puderem levar de bagagem, quinquilharia bonita de todo canto por que passar, é tudo meu. Todo o amor desalinhado que faça-me sentir viva, ver o reflexo e abraçá-lo com toda minha força. Minha e destes vultos, passantes provocantes que surgem e simplesmente puxam-me para teu caminho.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 24/11/2014
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