Possessão

Está tudo bem, confia em mim. Bem desse jeito, todo torto, fora de linha, fora de mão. A gente que traçou isso, não foi? Desenhamos isso, mapeamos os riscos dos dedos e do chão em que andamos agora. Não tem do que reclamar, nem da dor nem da vontade que se estanca até sabe-se lá quando. Eu processo a dor. A sintetizo, dilacero entre os dentes. Faço sua completa deglutição e até acho nela algum sabor para sentir saudade depois. E o prazer, ah, ele não. Ele é a ruína, o inferno, a perdição. A cura, ao mesmo tempo, a gente sabe disso. Ele é linha tênue, delicada-- carrega consigo peso suficiente para derrubar-nos assim como nos levantar e deixar pairando sobre todas essas belezas sem nome que vejo daqui. Apenas tolere-me reclamando pelos cantos, dizendo esse monte de reflexão sem sentindo, sem fundo de verdade para dizer que sinto algo. Apenas tolere meu beijo e toque receoso, meu olhar fugitivo em cima de ti a cada segundo que tu me jogas a deixa para te espiar como se fosse de longe, ainda que bem ao seu lado. Só continue levando-me para esses lados que nem sei aonde cruzam, para aonde vão e de onde surgem, continue puxando-me pela mão e tapando-me os olhos, cegando-me temporariamente com o sabor da palma da tua mão e da superfície de teus lábios. Cegue-me, enlouqueça-me enquanto pode, só isso: depois eu me viro, me ajeito, me arrumo. Me amo da maneira mais sofrida que sei fazer, lhe prometo. Só carrega minha sede contigo, não deixa essa pele secar, não hoje. Não agora quando tudo que preciso reside no tato insano que descubro ter ao seu lado.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 25/11/2014
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