Rendição

E eu sei que estou longe de botar tudo isso pra fora. Toda essa agonia, angústia encoberta pela vaidade, pelo vazio que é ter um peito cheio de orgulho. Orgulho do que? Das mentiras, das máscaras, das certezas tão frágeis que dissolvem com o mínimo toque da verdade. Estou longe de livrar-me nem que de um resquício só de tudo isso, do ardor corrente por mim, das palavras, do sabor. Da menor fração de beleza existente nessa carne, nas entranhas já todas veladas, seladas de qualquer luz que mostre algo real. Eu preciso romper isso, essa dormência. Preciso rasgar a pele falsa e deixar o vento arder a ferida, fazê-la sangrar. Preciso do corte profundo que é receber nada além da verdade, de não ter ilusão alguma para repousar. Essa dor é minha única saída, possibilidade de redenção-- eu não quero o céu nem o inferno, quero nada além da junção do extremo de ambos, das bençãos e de toda essa maldição. Quero minha humanidade em seu cerne, extrair toda sua força: o que sobrar é o que sou e tenho para levar comigo. O resto é medo, mera convenção de quem quer se esconder. Que meus pulmões purifiquem toda essa putrefação impregnada no ar, que o façam de uma vez. Eu quero apenas a síntese de meu gosto, do que restar após o meu fim.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 30/11/2014
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