Fulgaz

Ela o queria por perto. Queria mais do que qualquer coisa. [...] Tá, mais do que qualquer coisa talvez não, ela ainda não havia abandonado toda a sua lucidez. Mas o queria demais, queria-o dum jeito que doía seu corpo, sua voz. Mesmo se fosse para ficar no silêncio, de verdade, não teria problema. Não jogaria mais momento algum pela janela, não cederia ao redemoinho de medo, de receio que a perseguia o tempo todo, só queria pertencer-lhe por um segundo. Segurar-lhe, envolver-se em seus braços e linhas, traços e formas, perder-se em seu gosto nem que só mais uma vez. E essa mentira era tão grande que nem mais ela mesma conseguia enganar-se: a cada toque, ela queria mais. Mais de si, do ar, do instante. Não dele, isso jamais; dele queria apenas a presença, a estar. O momento em que não há mais barreira alguma por entre as peles, os lábios, a voz, só isso seria suficiente para deleitá-la por uma vida. Queria chamar isso de amor, queria com todo o fulgor que havia dentro de si, mas ainda era sábia o bastante para não fazê-lo. Não o amava, amava a euforia, o êxtase e o prazer prolongado no infinito que carregava consigo. Amava a consciência, amava a lembrança e o fio que inspirava-a para um sonho a mais. O que queria, sabia que jamais conseguiria extrair em lugar algum, pele ou corpo, alma alguma poderia lhe dar. Mas queria o sabor, a vivência, precisava de algo para envolver-se quando o frio batesse em sua porta novamente. E nele parecia ver tudo aquilo, por mais que lhe rasgasse. Amava a dor e o arrepio, a insanidade de livrar-se nem que só um pouco de todo aquele caos passional que a devorava por dentro todo dia, toda noite que não o tinha ao seu lado.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 07/12/2014
Código do texto: T5061215
Classificação de conteúdo: seguro