Vivo garimpando momentos felizes

Existem imbecis felizes e gênios infelizes, já falava isto, talvez entre outros, André Comte-Sponville, e creio que já, muito antes dele, outros já devem ter feito esta simples, mas marcante leitura do viver.

O mundo prima por uma “realização na média”, possui seus extremos é verdade, mas no geral a realidade do viver coletivo, caminha por um estado médio, mesmo que em alguns casos esta média esteja baixa demais. No geral, levamos uma vida na média, e como eu estou neste mundo, entendo que também minha vida deve estar na média (média de alegrias, médias de tristezas, media de dores, média de sofrimentos, média de derrotas, média esta não em relação a mim mesmo, como uma espécie de equilíbrio, não falei isto, mas sim uma média em relação a realização do viver coletivo), com algum desvio padrão em pontos específicos, e para que a média se apresente como tal, alguns desvios são para maior e outros devem ser para menor. Com isto não tento dizer e nem insinuar que todos vivemos na média, é bastante perceptivo que não, alguns acabam vivendo acima da média e outros abaixo da média, sem esforço algum somos capazes de perceber que muitas e muitas pessoas vivem na miséria, vivem abandonadas ou excluídas, vivem com doenças terríveis, vivem de forma desumana, mas sinceramente entendo que não é o meu caso, e que viva na média, quem sabe até acima da média.

Não gostaria de ser nem um imbecil feliz, e nem um gênio infeliz. Entendo que a felicidade absoluta e eterna é impossível, e a genialidade é para muito poucos, assim não posso ser o que gostaria de ser: um gênio feliz. Entendo eu que neste caso não somente eu, como ninguém pode ser um gênio feliz, alguns podem até ser um gênio com momentos felizes. Com esta linha de argumentação ouso discordar de um pensador que muito admiro, e dizer que também não devem existir, pelo mesmo motivo, imbecis felizes, devem existir sim imbecis, que ingênuos, ignorantes, descompromissados e alienados, levam uma vida sem maior expressão, expectativa, e entendimento do que seja viver humanamente. Uma vez que entendo como impossível ser absoluta e eternamente feliz, plenamente feliz enquanto humanos, simplesmente porque milhões sofrem, e entre estes uma legião enorme de crianças e jovens. Imbecis somente podem ser felizes, se sua felicidade for “tão imbecil” quanto eles, e absolutamente desatrelada, desconectada e descompromissada com o humano, com a humanidade e com o social, somente se sua felicidade for desumana e imbecil.

Creio que entre o pouco que aprendi está a clara separação entre o que desejo e o que a realidade é, entre a vontade que tenho e a verdade do que é real, assim não sofro me enganando, mas nem por isto sou, ou posso ser, plenamente feliz.

Já que a felicidade plena é impossível, vivo garimpando momentos felizes, instantes alegres, e trabalho para minimizar a dor, o sofrimento, o medo, e a esperança, não somente em mim. Busco viver assim na desesperança quase total de nada esperar, e na tentativa de aceitar e amar o que tenho e o que sou, buscando trabalhar o momento presente como se último fosse. Uns me acham frio, entre estes alguns amigos e parentes, outros me acham estranho, alguns acham que sou um mentiroso de marca maior, outros enfim me acham diferente, até mesmo doente mental. Diferente, não somente eu sou, mas todos somos, e mesmo eu sou algo diferente de mim mesmo a cada novo momento, sendo agora já diferente do que era antes de iniciar este texto, é puro reflexo de um cérebro plástico que se liga, religa e desliga, conexão a conexão, sinapse a sinapse, neurotransmissor a neurotransmissor. Sou diferente, também, pois o inconsciente que me faz ser o que sou é uma incógnita para mim mesmo. Tento fazer de meu existir, de meu aprender, algo que possa me fazer mais humano, não do ponto de vista meramente pessoal ou egoísta, mas sim mais humano do ponto de vista social, que prezo mais que uma vida individual. Isto me faz parecer mais frio e esquisito, em alguns momentos me faz ser percebido inclusive como parcialmente desumano, mas valorizo e busco maximizar sempre a felicidade e a dignidade coletiva, pelo maior número de pessoas possível, pela maior janela de tempo possível, e na maior área geográfica possível, muito acima da felicidade individual.

Tento não ser oportunista comigo mesmo, tento ser verdadeiro, e isto me faz ser muitas vezes mal interpretado, mas muito poucos amam mais a vida, em sua essência “bio-mental”, do que eu. Se isto me faz diferente, estranho, e difícil, que bom, queria ser mais ainda, em prol da sociedade pela qual acabo fazendo muito pouco, e pela culpa que também é minha do que aqui está. Isto me obriga a buscar ser realista, materialista, com boas demãos de ceticismo. Um humanista secular que não vê o homem como super-homem, mas um naturalista, materialista, realista que busca aprender os bastidores de todo e de cada fenômeno, busca entender as engrenagens que movem a existência, por isto amo a vida em sua essência, e não a vida meramente humana. Amo a ciência e a matemática, e não menos amo meus filhos. Exatamente por tudo isto sou ateu, nem melhor e nem pior que os crentes, apenas coerente com a leitura que faço do mundo e do como posso amar a vida, e ajudar meus semelhantes em espécie, e não apenas meus semelhantes em crença, princípios, escolhas, raça, cor, situação social, preferência sexual, nacionalidade, gênero, conhecimentos e outras semelhanças.

Exatamente porque não posso, e não conseguiria ser um gênio feliz, me recuso a ser um imbecil feliz ou um gênio infeliz, basta-me tentar ser verdadeiramente humano e respeitar a todos, conhecidos e estranhos, próximos e distantes, iguais, parecidos ou diferentes, e respeitar também a natureza.
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 08/12/2014
Reeditado em 09/12/2014
Código do texto: T5062855
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