Enclaurusamento

E olha, eu não sei o que vai ser de mim. Não tenho a mínima ideia. Não sei se tua imagem vai perdurar aqui por muito tempo, não sei se esquecerei-lhe amanhã e fim de história. Não sei se te amo também. Não sei se conseguirei sentir outros gostos, querer outras peles; admirar outras almas que, veja só, nem chego a conhecer, como deliciosamente fiz contigo. Olhei-te de longe e, vai saber porquê, mergulhei na promessa de deleite sem fiz que trazias com tua voz. Talvez até seja verdade, sim. Mas eu fiz errado desde o início, eu entreguei em tuas mãos toda a riqueza que construí, toda beleza que cultivei para meus olhos e ninguém mais. Vai lá saber o que tinhas em ti que dilacerou-me desse jeito: os olhos de cor indefinível (mas que só sei dizer que não eram castanhos, isso não). A pele em que afundava-me, as sílabas embriagantes que tu jogavas para fora assim, tão de repente. Eu amei tudo isso, amo ainda. Amo hoje, talvez amarei para todo o sempre, ora. Tu capturou toda minha racionalidade e segurança, todos meus toques cautelosos e passos contados, tu prendeu-me em tuas costelas e fizeste de mim contadora de teus suspiros, batidas de coração, pulsações repentinas. E eu aceitei tudo isso-- então posso ser de tudo, mas jamais tua vítima. Escolhi tua jaula e o gosto, a paisagem que dela se via, o que faz-me a culpada por toda essa ruína sem fim. Eu permiti-me amar você, e esse foi meu maior erro, sentença de condenação. Maior prazer e insanidade, perdição maravilhosa que jamais pudera imaginar entre minhas já tão conhecidas quatro paredes daqui.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 15/12/2014
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