Gratitude

Não pense você que eu não tenho essa consciência: eu sei que fiz tudo errado. Sei o quão tortos foram meus passos, mal pronunciadas minhas palavras, temerosos e inquietos meus toques lotados de arrependimentos imediatos. Mas também sei de minha devoção para ti; devoção ao que tu fazias me sentir, davas-me sem nem ao menos perceberes. Sei dos incontáveis risos histéricos, dos olhares cheio de brilho tímido que simplesmente não podia deixar-lhe ver.

E olha, posso lhe dizer, sou nada além de grata por isso. Por ter-me dado essa chance, essa queda, essa visão. Ver-te em meu horizonte foi a maior graça que foi me dada aqui. Tua voz, tu ópio presente em cada centímetro de tua pele corrosiva, eu amei cada fração disso. Eu amo ainda também; mas entenda, não é aquele tipo doentio de amor. Eu amo saber que tu podes voar, pode sair disso tudo. Vou sair também, lhe garanto; só que meus passos são contados, calculados, receosos. Sou assim, fazer o que; mas vou correr para longe, vou ver de tudo, carregar todas dores e belezas, delícias que encontrar por meu caminho-- e tu, meu querido, foras a primeira. A primeira que saiu do sonho, da paixão infeliz que reside naquele rabo de olho, naquele momento em que se espia de leve apenas para suspirar e deixar-nos rasgar. Eu possuí você. Teu gosto e teu abraço, possuí a insanidade de saber que tu tinhas-me também. Por isso que eu lhe digo, tu me destes o maior presente, tu me destes meu reflexo definitivo.

Me vi, vi meus horrores, vi o quão capaz sou de levar comigo, o calor inato que reside em minha pele. Sem você, jamais sairia do sonho. E eu amo sonhar, amo e jamais deixarei de fazê-lo, mas tu me dissestes, sei lá quando e sei lá como, que existe vida e vontade fora dele. Que existe essa minha louca parcela pronta para o fim, para o fogo, para ti. Tu e todos que passarem por aqui e derem-me esta chance, esta paisagem maravilhosa para o deleite e fome dos meus olhos.